Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Covas entrega as ruas de São Paulo por 15 anos a um monopólio e quer receber à vista

Zona Azul foi concedida à Hora Park, do grupo Estapar, com proposta de R$ 1,3 bilhão

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De todas as concessões que a gestão Bruno Covas está promovendo, nenhuma é tão nefasta e suspeita quanto a entrega da Zona Azul a uma única empresa privada de estacionamento, controlada por um banco.

As regras da licitação, cujos envelopes foram abertos na semana passada, após o presidente do Tribunal de Justiça liberar a certame, questionado pelo Ministério Público e pelo TCM, mostram que a concessão não é necessária, contraria as diretrizes de planejamento urbano e está repleta de vícios.

Do ponto de vista urbanístico, a concessão das vagas de estacionamento nas ruas é um desastre, indo na contramão dos tênues avanços que tem sido obtidos na alteração do modelo de mobilidade em São Paulo.Nas grandes cidades, está ocorrendo uma radical transformação na gestão do meio-fio (faixa do viário junto às calçadas), enquanto que os automóveis, especialmente os de uso particular, aos poucos estão se tornando obsoletos.

O compartilhamento de veículos por aplicativo exige um replanejamento do meio-fio para acomodar os novos modais. O estímulo ao transporte coletivo e à mobilidade ativa, prevista no Plano Diretor, exige a reserva do meio-fio (tradicionalmente destinado ao estacionamento de carros particulares), para faixas exclusiva de ônibus, ciclovias, ciclofaixas, alargamento das calçadas e espaço para estacionamento de bicicletas e outros veículos de micro-mobilidade. 

O repovoamento do espaço público e das ruas, em uma cidade onde as calçadas são estreitas e repletas de obstáculos, requer que o meio-fio também seja utilizado para novos usos. Os parkets e food trucks, regulamentados por lei na gestão passada, entre outros usos inovadores, se espalham pela cidade, estimulando a sociabilidade e diversidade.

Frente a essa dinâmica positiva de uma nova urbanidade, como afirma o Conselheiro Mauricio Faria do TCM em seu parecer contrário à concessão, “o congelamento por 15 anos de até 60.000 vagas de estacionamento rotativo mostra-se totalmente sem sentido, gerando direitos contratuais injustificados ao concessionário, inclusive de indenização no caso de supressão do número de vagas superior ao previsto para redefinição dos usos do espaço viário. 

Se do ponto de vista urbanístico a permanência de um modelo ultrapassado é um retrocesso, cabe perguntar: por que entregar a uma única empresa privada a gestão de todo o meio-fio da cidade? Porque mudar um serviço que já foi modernizado tecnologicamente, que é lucrativo (gerou uma receita de R$ 98 milhões para a prefeitura, em 2018), que não requer investimentos significativos e que já é operado por 15 empresas privadas? 

Uma concessão apenas se justifica quando o poder público é incapaz de operá-lo ou quando requer grandes investimentos. Nesse caso, o setor privado já comercializa os Cartões Digitais da Zona Azul (CAD), com eficiência e receita e os investimentos requeridos, R$ 48 milhões, são irrisórios. As justificativas da gestão Covas são frágeis. 

Para o secretário Mauro Ricardo, a concessão garantiria "... aporte tecnológico (pois) o usuário, por intermédio de aplicativo, poderá saber onde há vagas disponíveis sem o transtorno de ficar procurando (e será possível) a identificação rápida de usuários que estão ocupando vagas irregularmente".Ocorre que essa tecnologia, simples e barata, já foi testada pela CET, como registrou o Conselheiro Mauricio Faria: “Depois da implantação da Zona Azul Digital em 2016, com pagamentos por aplicativos de celular, o serviço tornou-se modernizado tecnologicamente, utilizando equipamentos eletrônicos para conferências das ativações dos CADs e introduzindo experimentalmente o uso de veículos-fiscais com OCR - Reconhecimento Óptico de Caracteres, tecnologia com baixa necessidade de investimentos”. 

A razão para a operação está nas regras do edital, que permitiu um casamento ideal. A prefeitura vai conceder as ruas da cidade por 15 anos, mas exige o concessionário, além de ter experiência na operação de estacionamentos, pague à vista (até o final de 2020) uma parcela fixa de mais de 40% do valor total da concessão, ou seja, R$ 593 milhões. 

A coincidência entre o prazo para receber essa bolada, o calendário eleitoral e a gestão do prefeito é óbvia. Alimentará o tesouro municipal no esforço de reeleição. O que não é tão óbvio foi decifrado por Luís Nassif, em um artigo publicado quatro dias antes da abertura dos envelopes (Xadrez da grande jogada do BTG com a Zona Azul, Jornal GNN, 6/12/2019).O jornalista mostra que apenas uma empresa de estacionamento vinculada a um banco teria condições de vencer a licitação nas regras desse edital, pois as demais operadoras dos CADs não disporiam de capital para entrar na disputa.  

A parcela fixa caracteriza-se como uma antecipação de receita para a atual gestão, em evidente má prática fiscal, não recomendada pela LRF. Para o Sindicato das Empresas de Estacionamentos “a licitação não é um negócio para as operadoras independentes de estacionamentos pagos, só sendo viável para aquelas associadas ou integradas a grandes investidores, limitando a concorrência.” 

A Estapar, controlada pelo BTG, venceu a licitação, como antecipado por Nassif, e terá o monopólio não só do meio-fio como do acesso aos dados de todos os motoristas da cidade, assim como das receitas decorrentes. A concessão, se concluída, trará prejuízo para as futuras gestões municipais que, além de serem privadas dos recursos que serão antecipados para Bruno Covas, terão grande dificuldade de gerir o meio fio de acordo com um novo modelo urbanístico que se pretende implementar na cidade. 

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