Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Liminar que paralisa a mudança do zoneamento é positiva para São Paulo

Alterações precisam ser feitas no Plano Diretor, mas não no sentido proposto por Covas

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Até os mármores do Palácio Anhangabaú, sede da Prefeitura de São Paulo, sabem que o ex-prefeito João Doria (PSDB) se comprometeu com o mercado imobiliário, na campanha eleitoral de 2016, a promover as alterações desejadas por esse setor no Plano Diretor Estratégico (PDE). Mudanças que, por lei, apenas poderiam ser feitas em 2021, quando está prevista sua revisão.

Em 2017, a prefeitura anunciou essas alterações, transvestidas de "ajustes" na Lei de Uso e Ocupação do Solo. Alegava que a legislação urbanística, aprovada em 2014 e 2016, era responsável pela crise no setor, desconsiderando a forte recessão do país.

Promotores imobiliários, em tom de ameaça, disseram que, sem mudanças, passariam a atuar em outros municípios da região metropolitana de São Paulo, onde a legislação seria mais favorável. O argumento foi logo desmentido pela constatação de que a produção imobiliária em São Paulo, embora ainda deprimida em 2017, tinha crescido mais que a dos demais municípios.

Colocada em consulta pública no final de 2017, a proposta seguia um roteiro de interesse do setor imobiliário: redução da outorga onerosa, aumento do número de garagens e da área média dos apartamentos nos eixos de transporte coletivo e elevação da altura dos edifícios no miolo dos bairros.

Se aprovada, ela descaracterizaria a concepção urbanística do Plano Diretor, que estimula o adensamento junto ao transporte coletivo e restringe edifícios altos nos bairros residenciais ocupados predominantemente por casas.

Como a proposta sofreu forte oposição, por ser extemporânea e equivocada no mérito, a prefeitura se recolheu para revê-las e, com as substituição do prefeito em abril de 2018, perdeu o ímpeto inicial. Mas, quando se julgava que o bom senso havia predominado, a gestão Bruno Covas (PSDB) apresentou, em novembro, uma nova proposta para debate, anunciando que a enviaria para a Câmara Municipal até o final do ano, para aprovação em 2020.

Embora sem mudanças na outorga onerosa, as novas regras permitiriam elevar a altura dos edifícios de 28 m (oito pavimentos) para 48 m (15 pavimentos) na zonas mistas, e de 48 m para 60 m (19 pavimentos), na zonas de centralidade. As modificações poderiam ser resumida pelo título da minha coluna, “Arranha-céus sobre os quintais” (14/11/2017) ou do artigo do arquiteto Fernando de Mello Franco, “Da cobertura vislumbraremos as crises da cidade” (18/12/2019).

Ademais, nada asseguraria que outras modificações, ainda mais nefastas, não viessem a ser feitas quando o projeto passasse a tramitar no Legislativo. Aceitar essas mudanças sem estarem atreladas a uma visão de conjunto da cidade, sem estudar seus impactos e sem um debate aprofundado seria uma temeridade.

Por essa razão, é absolutamente correta a liminar concedida pelo Judiciário, a pedido de várias entidades lideradas pelo Instituto de Arquitetos do Brasil, paralisando o processo.

Não existem indícios que a atual legislação urbanística inviabilize a produção imobiliária. Pelo contrário, ela está superaquecida. As normas apenas ordenam a ação dos promotores, regulando a localização e características dos empreendimentos, seguindo as diretrizes urbanísticas do PDE e garantindo uma contrapartida (outorga onerosa) que, se bem aplicada, permitiria a desejada redução das fortes desigualdades socioterritoriais de São Paulo. Neste ano, já se arrecadou mais de R$ 700 milhões de outorga onerosa.

A realidade econômica do país, com juros baixos e poucas alternativas de investimento, está provocando um novo boom imobiliário, que precisa ser regulado para evitar um descontrole indesejado no processo de verticalização. De acordo com a Pesquisa de Mercado Imobiliário realizada pelo Secovi entre novembro de 2018 e outubro de 2019, foram lançadas no município de São Paulo, 52 mil novas unidades habitacionais, sendo que 43 mil foram vendidas. É um recorde histórico. No pico do boom anterior, que antecedeu a crise de 2008/9, entre novembro de 2007 e outubro de 2008, foram lançadas 40,7 mil e vendidas 37,9 mil.

As regras em vigor criam condições adequadas para essa produção e ordenam o processo imobiliário, possibilitando alcançar os objetivos estratégicos pretendidos, como gerar uma cidade mais compacta, com adensamento populacional junto ao transporte coletivo, proteção aos bairros residenciais horizontais e habitação mais próxima do emprego.

Alterações precisam ser feitas, mas não no sentido proposto. Elas devem ser debatidas com base em análises e projeções e incluídas na revisão prevista para 2021, enquanto pequenos ajustes na operacionalização da lei podem ser feitos por decretos e portarias.

O planejamento de uma cidade complexa como São Paulo requer um difícil equilíbrio entre a dimensão imobiliária e a necessária proteção social, ambiental e cultural. O setor imobiliário é necessário, mas seus interesses não podem predominar sem considerar as demais dimensões da cidade. Foi o que se buscou no Plano Diretor Estratégico, quando os pontos de vista de todos os setores da sociedade foram ouvidos da perspectiva de gerar uma cidade mais justa e sustentável.

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