Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki

Uma caipirinha na praia compensa as sete horas no congestionamento, mas e quem não pode viajar?

Cidade de São Paulo não tem atividade especial de recreação e cultura programada para período de fim de ano

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Enquanto o lazer nos feriados prolongados, como a virada do ano, não for enfrentado com políticas públicas adequadas, os engarrafamentos continuarão monstruosos nas rodovias e a depredação urbana e ambiental das áreas litorâneas vai se aprofundar. E, por outro lado, a maioria da população, “os sem praia”, ficará sem alternativas para usufruir os poucos dias de folga a que tem direito.

Entre o Natal e o final do ano, deixar São Paulo em direção ao litoral é um estresse, pelo menos para quem não tem jatinho ou helicóptero. Tempo precioso é perdido em quilômetros de congestionamentos que transformam uma viagem de duas horas em uma epopeia de cinco a sete horas.

Muitos já se conformaram com esse tormento, convencidos que ele pode ser compensado pela caipirinha ou água de coco à beira mar, pelo sol escaldante seguido de um banho de mar (mesmo que poluído), por pular sete ondinhas e pedir um desejo para Iemanjá ou pelo mero status de dizer que passou a virada em algum lugar digno de nota.

Como São Paulo não oferece quase nada no final do ano, ficar na cidade virou um mico. Por isso, entre oito e dez milhões de pessoas deixam a Região Metropolitana (RMSP) nesse período. São três “Uruguais”, mas como a população alcança mais de 21 milhões, a maioria fica na cidade sem ter o que fazer, a não ser as baladas privadas ou o fluxo nos bairros populares, sempre sob o risco de ser dispersado pela PM.

Salvo o Réveillon na Paulista, que pode receber, no máximo, 140 mil pessoas e que se limita apenas à noite da virada, nenhuma atividade especial de recreação e cultura está programada para esse período .

Pelo contrário: desenvolveu-se a falsa noção de que ninguém fica na cidade e, por isso, é desnecessário programar eventos. Quase todos os equipamentos públicos de cultura, mesmo os periféricos, fecham nos feriados de final de ano e tem programação escassa ou inexistente entre o Natal e o Ano Novo.

As possibilidades de lazer ao ar livre são restritas. Enquanto as cidades litorâneas, como o Rio, Salvador, Recife e Fortaleza, oferecem as praias, São Paulo conta com apenas 2,6 m² por habitante de área verde pública de lazer (praças e parques), um sexto do mínimo necessário, a maioria com poucos atrativos.

O potencial das represas Guarapiranga e Billings, com muitos quilômetros de orla junto à água, lamentavelmente poluídas, é desprezado. Mesmo tendo praias, o Rio de Janeiro implantou o piscinão de Ramos, que recebe cerca de 80 mil pessoas por dia nos feriados e finais de semana. Nada semelhante existe em São Paulo.

Assim, é compreensível que quem pode queira viajar. É um direito mas não poderia ser a única alternativa. Como inexiste estímulos ao transporte coletivo, o automóvel é a principal meio utilizado. O congestionamento é inevitável.

Nas áreas litorâneas, o impacto da multidão que chega, sem limites, é devastador. As redes de infraestrutura e de serviços não estão preparadas para tal invasão. A enorme variação entre o pico da temporada e o vazio da meia estação gera o dilema da ociosidade/superocupação.

Para São Paulo enfrentar adequadamente essa questão, algumas ações políticas precisam ser implementadas:

  1. A criação de uma programação cultural e esportiva especial entre o Natal e o Ano Novo, priorizando a população de baixa renda que quase não viaja, mas também buscando manter mais moradores na cidade e, ainda, atrair turistas. O impacto na economia urbana seria relevante, como ocorreu com o Carnaval de Rua, onde uma política pública reverteu o esvaziamento que parecia natural.
     
  2. Ampliar as áreas de lazer e recreação ao ar livre e junto às represas, lagos e piscinas públicas. A implantação dos 167 novos parques, dos polos de ecoturismo (como o de Parelheiros) e dos Territórios de Interesse da Cultural e da Paisagem, previstos no Plano Diretor, vão nesse sentido.
     
  3. A adoção nas principais rodovias do estado de faixas exclusivas de ônibus e outras medidas para estimular o transporte coletivo nos deslocamentos intermunicipais. É inaceitável que os ônibus transportando cerca de 45 passageiros fiquem parados horas em congestionamentos provocados por automóveis.
     
  4. A implementação de medidas para reduzir o custo de passagens intermunicipais como, entre outras, a isenção de pedágio para ônibus e eliminação do monopólio no transporte interurbano. Viajar de ônibus precisa ser mais barato e tão confortável como ir de carro.
     
  5. Desenvolver um turismo sustentável no litoral, envolvendo programas de saneamento e resíduos sólidos, planejamento do uso do solo e proteção ambiental. Equilibrar o número de visitantes com a capacidade de suporte das áreas litorâneas é indispensável para preservar o potencial desses lugares maravilhosos do Brasil.

Para os que vão ficar nas suas cidades, para os que enfrentaram as estradas congestionadas e para quem vai fazer oferendas a Iemenjá, desejo um feliz 2020. Com menos ódio e mais amor. Por favor. 

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.