Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Tragédia em MG mostra que os eventos climáticos serão cada vez mais extremos

Desastres como esse não são inevitáveis e cidades precisam ser mais resilientes

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As chocantes imagens das enchentes no Espírito Santo e em Minas Gerais na última semana mostraram, além do desastre da urbanização brasileira, a necessidade de o Estado brasileiro tomar consciência de que os eventos extremos gerados pelas mudanças climáticas vieram para ficar e ficarão cada vez mais intensos. Não é possível continuar negligenciando essa questão.

De acordo com Carlos Nobre, uma das maiores autoridades do mundo em mudanças climáticas, os efeitos do aquecimento global estão chegando mais rápido do que o esperado, superando os modelos previstos pelos cientistas. Fenômenos climáticos extremos que só eram esperados após 2030 estão acontecendo já nesta década.

Por isso, os governos não devem considerar as chuvas recordes que atingiram 101 municípios em Minas Gerais desde 24 de janeiro, as maiores em 110 anos, um fenômeno excepcional. É  um evento extremo que deverá continuar se repetindo. Elas causaram, ao menos, 54 mortes, 2 desaparecidos e mais de 38,7 mil desabrigados, dos quais 8,2 mil tiveram suas casas irremediavelmente danificadas.

No Espírito Santo, sete pessoas morreram e 3.000 ficaram sem casas. Em Iconha, município de 14 mil habitantes, a enxurrada devastou a cidade, lembrando o desastre de Brumadinho, que acaba de fazer seu primeiro aniversário.

As imagens de casas desabando, avenidas virando rios, crianças e idosos soterrados, pessoas agarradas em árvores para não serem levadas pela água, carros arrastados, pontes caídas, empresas destruídas e um lamaçal que levará semanas para ser retirado parecem cenas de ficção científica, mas são reais e irão se repetir se a sociedade, com os governos em primeiro lugar, não se conscientizarem de que conviveremos com eventos cada vez mais extremos.

Estamos longe disso. Em Belo Horizonte, o prefeito Alexandre Kalil (PSD), após comparar a chuva a “um furacão ou terremoto”, disse que “essa água vem do céu, não vem de incompetência administrativa”. Para ele, “em desastres não há responsabilidades”. Mas ele confirmou que o telefone de emergência da Defesa Civil não estava funcionando na hora da chuva.

Já o governador Romeu Zema (Novo), preferiu responsabilizar as vítimas que, segundo ele, não obedeceram a orientação dos bombeiros e retornaram às casas, que estavam em situação de risco, após o primeiro alerta. Certamente porque elas não tinham para onde ir.

Enquanto isso, em Davos, o governo brasileiro, que no ano passado desistiu de sediar a Conferência do Clima, desconsiderou novamente a importância do tema e não enviou um representante qualificado. O ministro Guedes, cuja especialidade é mercado financeiro, acabou falando uma barbaridade qualquer sobre meio ambiente. A postura do Brasil é coerente com as declarações do presidente Trump, que denunciou o “alarmismo ambiental”, e do seu secretário do Tesouro, que minimizou a questão, afirmando que ela é apenas um dos problema que temos que enfrentar.

O tema, além de significar nada menos do que o futuro da humanidade, é também econômico. Em 2017, em todo o mundo, os eventos climáticos extremos, além de provocar a morte de 11,5 mil pessoas, geraram perdas econômicas avaliadas em cerca de US$ 375 bilhões. Apenas os furacões que atingiram a costa leste do EUA causaram prejuízo de US$ 200 bilhões.

No Brasil as perdas anuais devido a eventos extremos com tempestades e inundações alcançaram US$ 1,7 bilhão ao ano (R$ 7,2 bilhões), na média dos últimos 20 anos. Embora o país figure na 79º posição entre os 181 países mais vulneráveis ao clima, ele aparece em 18º entre os que mais perdem economicamente com as mudanças climáticas, de acordo com o ranking apresentado pela organização alemã Germanwatch na COP-24 do Clima.

Além das razões ambientais e sociais, também não é do interesse econômico do país negar que as mudanças climáticas estão acontecendo, como ressaltou o presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, para quem a preocupação com o ambiente deve ser uma prioridade.

Por isso, é urgente que se promovam medidas efetivas tanto para mitigar as causas das mudanças climáticas como para promover uma agenda capaz de promover uma rápida transição ecológica para um modelo de desenvolvimento econômico e urbano mais sustentável.

Mas, enquanto isso, como a ocorrência de eventos extremos será inevitável mesmo que se interrompa a atual trajetória rumo ao desastre ambiental, é necessário que se promovam medidas que ampliem a resiliência das cidades aos desastres climáticos. Algumas medidas são essenciais, como:

  1. Dar continuidade ao sistema de alerta ao risco, implementado em 2011, após a tragédias nas cidades serranas do Rio de Janeiro. O moderno sistema de prevenção climática instalado no Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos, no Inpe em Cachoeira Paulista (SP), precisa estar articulado com iniciativas nos municípios para alertar a população da iminência dos eventos extremos;  
  2. Elaboração e aplicação da carta geotécnica como um instrumento de planejamento do crescimento urbano, impedindo-se a ocupação de terrenos com alto risco natural;
  3. Implementação dos instrumentos de reforma urbana nos planos diretores para garantir o acesso à terra em locais adequados para a habitação popular;
  4. Priorização do atendimento das necessidades de moradia da população de baixa e média baixa renda, incluindo assistência técnica gratuita, para reduzir a pressão pela ocupação de áreas de risco e qualificar as moradias precariamente edificadas;
  5. Desocupação de áreas de alto risco natural, realocando os moradores para habitações adequadas;
  6. Consolidação urbanística e geotécnica de áreas de médio e baixo riscos já ocupadas, garantindo a segurança dos moradores.

Desastres continuarão se repetindo em diferentes regiões do país, pois a situação não será alterada a curto prazo. Mas o país não pode continuar assistindo a essas tragédias como se fossem inevitáveis. Muito pode ser feito, desde que se tome consciência de que as cidades precisam ser mais resilientes aos eventos extremos e que as mudanças climáticas precisam ser mitigadas com medidas estruturais. 

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