Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

O Carnaval de Rua de São Paulo deve parar de crescer?

Em 2020, São Paulo tornou-se o principal destino no país para o Carnaval

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O Carnaval de Rua de São Paulo tornou-se a mais importante manifestação cultural no espaço público da cidade e é hoje, provavelmente, o maior do Brasil. Ele faz parte de uma estratégia urbana que transformou a cidade em uma arena cultural multifacetada e vibrante.

A criação de uma tecnologia de gestão do Carnaval de Rua integrou a política cultural e urbana da administração Haddad, que valorizou o espaço público, transformando-o em cenário de diferentes eventos culturais e de lazer, abertos aos cidadãos e à cidadania, como ocorre na Paulista Aberta.

Essa visão foi assumida pela atual gestão municipal e está integrada à vida da cidade, como uma política de Estado. Ótimo, mas, frente ao crescimento contínuo do número de blocos e de participantes, surgem novos desafios, que precisam ser enfrentados.   

Como Juca Ferreira e Guilherme Varella mostraram no artigo O direito à folia (Folha, 16/2), a tecnologia de gestão que propiciou o implementação e crescimento do Carnaval de Rua em São Paulo foi formulada partir de um amplo diálogo entre os pioneiros blocos carnavalescos, nascidos na raiz paulistana, e a Secretaria Municipal de Cultura, realizado, a partir de 2013, sob a liderança de Ferreira.

Esse debate gerou um modelo de carnaval como uma festa pública, gratuita e democrática, sem qualquer cerceamento ao acesso da população. Nele, fica sob a responsabilidade da prefeitura, além do planejamento espacial e temporal dos desfiles, a garantia da infraestrutura necessária, como banheiros, o desvio do trafego de veículos, apoio logístico, segurança e limpeza.

Já os protagonistas principais da festa são os blocos que emergem da sociedade, com a enorme criatividade e diversidade que caracteriza as expressões culturais de São Paulo.

O que diferencia o Carnaval de Rua, nessa matriz paulistana, da enorme quantidade de shows com artistas renomados que são promovidos pela prefeitura em outros períodos e eventos, como na Virada ou no Aniversário da Cidade, é que nele está presente o conceito de cidadania cultural.

Espera-se que as manifestações e os desfiles nasçam dos coletivos, comunidades e grupos culturais da cidade, organizados de baixo para cima.

Como Secretário Municipal de Cultura (2015-6), coordenei a equipe da prefeitura durante o enorme crescimento do número de blocos e público, processo que teve continuidade nos anos seguintes.

De 42 blocos em 2013, chegamos a 384 em 2016 (um aumento de 914%!) e, em 2020, estão programados desfiles de 644 blocos.

Essa política reverteu completamente o esvaziamento na cidade durante o Carnaval, que virou coisa do passado. Nesse ano, São Paulo tornou-se o principal destino no país.

Os ganhos econômicos são de grande dimensão (estima-se um movimento de R$ 2,3 bilhões), com a rede hoteleira lotada e grande movimento comercial, entre outros benefícios.

Além disso, o Carnaval de Rua aumentou a autoestima da cidade, que Vinicius de Moraes, em outros tempos, chamou de túmulo do samba. As ruas estão coloridas, as pessoas estão fantasiadas e as ruas estão coloridas e viraram cenário de uma grande festa popular.

Os paulistanos podem se divertir a custo zero, transformando o espaço público em lugar de festa, sociabilidade, namoro e liberdade.

Mas, junto com esse crescimento, veio o interesse de marketing e surgiram problemas que precisam ser enfrentados para que a enorme potencialidade do Carnaval não gere efeitos contraproducentes. O excesso pode ser tão nefasto como a carência.

São grandes os conflitos entre o Carnaval e a vida cotidiana da cidade, afetando o grande número de pessoas que não participam da festa.

 Problemas como a restrição a circulação de pessoas, a o nível de ruído, a violência e transtornos de diferentes naturezas estão presentes desde os primeiros anos e foram particularmente fortes na Vila Madalena.  

O espaço público e sistema viário são restritos em São Paulo. A concentração dos blocos no centro expandido, sobretudo nas subprefeituras da Sé, Pinheiros, Lapa e Vila Mariana, que concentram a grande maioria dos desfiles, gera um stress urbano que não pode ser desconsiderado.

Frente a esses problemas, a prefeitura, responsável pela organização do carnaval, tem elevado as exigências e os requisitos burocráticos dos blocos, assim como a limitação de horários e restrições à utilização de certos lugares tradicionalmente ocupados pelos desfiles.

Daí decorre certa insatisfação de inúmeros blocos paulistanos que lançaram um manifesto com críticas à organização.  

Ademais, a enorme exposição de marketing do Carnaval paulistano tem atraído produtores culturais, blocos de outros estados e artistas famosos, que passaram a se interessar pela cidade sobretudo por objetivos comerciais.

Evidentemente, a presença de estrelas aumenta o público e o movimento econômico da cidade, o que, em tese, seria positivo, mas, por outro lado, transforma, parcialmente, o Carnaval de Rua muito mais em evento do que de em expressão de cidadania cultural, que é o princípio que originou a atual regulamentação.

Será que isso é necessário? A cidade tem o ano inteiro para promover eventos, desfiles e shows de artistas famosos.

Será que chegou a hora de debater a necessidade do Carnaval do Rua de São Paulo parar de crescer?  

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