Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Junho de 2020: um país dividido

Novo mês começa com uma combinação perigosa: um conflito institucional e político mesclado com uma crise sanitária, social e econômica

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Estudos astrológicos revelam que a vida muda de ciclo a cada sete anos. Conhecidos também como setênios, os ciclos marcam o início de uma nova fase. Será que isso se aplica à vida de um país?

Apesar das inúmeras controvérsias sobre junho de 2013, é quase unanime que ele foi um divisor de água na história do país e o princípio do fim da era petista. Sete anos depois, o mês de junho começa quente e ninguém sabe como irá acabar. Só arrisco dizer que as emoções serão fortes e que a tragédia que vivemos irá se aprofundar.

As cenas que se viu neste domingo (31) em Copacabana e na avenida Paulista, onde a Polícia Militar atacou manifestantes em defesa da democracia e protegeu apoiadores do governo Bolsonaro é apenas um marco simbólico —pelas semelhanças com os eventos de junho de 2013— de que o mês será de confrontos em meio a um nevoeiro denso, repleto de surpresas e sem previsões óbvias à frente.

No mesmo dia, manifestantes bolsonaristas fizeram vigília com velas, a moda da Ku Klux Klan, pedindo intervenção militar no Supremo. O confronto entre o presidente e o STF, que investiga fatos que devem comprometê-lo, assim como o núcleo central de seus apoiadores, poderá, nas próximas semanas, gerar um conflito institucional sem precedentes.

Enquanto setores expressivos das forças armadas apoiam uma nota agressiva do ministro Augusto Heleno em defesa do presidente e confrontando o STF, artistas, intelectuais e políticos de diferentes tendências lançam o manifesto “Juntos”, em defesa da democracia, e juristas publicam outro com o título de “Basta!”. Em dois dias, o “Juntos” já tem dezenas de milhares de apoiadores.

Cresce a exaustão de setores expressivos da sociedade, inclusive de sua elite econômica, com o governo, que se mostra incapaz de dar as respostas necessárias para enfrentar a crise sanitária, econômica e social do país, mas o presidente parece reunir forças dispostas a irem até o final na sua defesa.

O presidente do Congresso, Rodrigo Maia, tem na mão 36 pedidos de impeachment, que atende ao crescente clamor por “Fora Bolsonaro”, mas parece inexistirem condições políticas para sua aprovação.

Pesquisa Datafolha mostra um país profundamente dividido em relação a isso: 50% discordam da abertura de processo de impeachment e 46% são favoráveis. Embora tenha crescido os que consideram o governo ruim e péssimo, que alcançou 43%, um terço dos brasileiros consideram o governo ótimo e bom, o que não é pouco para quem quer destruir e não gerir políticas públicas.

Ao assumir o controle da PF, o presidente não se intimida em usá-la como polícia política, enquanto exerce influência sobre as PMs, teoricamente sob o comando dos estados, como se viu no caso da rebelião no Ceará e na maneira como elas protegem as manifestações governistas e atacam as que buscam defender a democracia.

O clima de confronto está no ar. O deputado Eduardo Bolsonaro, na última 4ª feira, cogitou a necessidade de adoção de medida enérgica pelo pai. O deputado falou em “momento de ruptura” e disse que a questão não é “se”, mas sim “quando” isto vai ocorrer. Ele, antes da eleição, já havia dito que “basta um cabo e um soldado para fechar o Supremo”. O presidente falou em armar a população.

A alta temperatura e imprevisibilidade política ainda será alimentada pelos efeitos turbulentos da pandemia. Em junho, será registrado um número recorde de mortos, algo em torno de 30 a 40 mil brasileiros, alcançando um total de mais de 60 mil vítimas, segundo previsões realistas. Isso aprofundará a comoção do país, em meio a uma crise econômica cada vez mais grave e um esgotamento das estratégias até aqui adotadas por governadores e prefeitos para lidar com a situação.

Nesse aspecto, não dá para ser otimista: a pandemia está longe do fim. Considerando apenas os casos oficiais (reconhecidamente subnotificados), no mês de abril, a média diária de mortes foi 200 no país e 75 em São Paulo; em maio, a média alcançou 760 no país e 141 em São Paulo.

Apesar das evidencias de que a pandemia está em forte ascensão (na última semana da maio, a média diária de mortes no país chegou a 883 e em São Paulo a 196), inúmeros governadores e prefeitos anunciaram a flexibilização do isolamento e a abertura parcial do comércio a partir do início de junho, postura que Bolsonaro defende desde o início da crise. O mero anúncio de flexibilização, assim como o conflito de opiniões entre as autoridades, gera um relaxamento do isolamento, que amplia a contaminação.

O “vai e vem” nas decisões das autoridades subnacionais em relação ao isolamento provoca enorme desinformação e revela a fragilidade de governadores e prefeitos. Doria anunciou em abril a flexibilização do isolamento para maio, mas teve que rever a decisão frente ao aumento de casos e mortes.

Na semana passada, incluiu a capital em uma zona laranja, que possibilitaria a reabertura do comércio a partir desta segunda (1º). No sábado, o prefeito Bruno Covas voltou atrás e reviu a posição do governador anunciando que a reabertura não era para valer imediatamente.

O prefeito revelou bem senso, mas não demonstra ter qualquer estratégia eficaz para enfrentar a pandemia. Ao contrário, ao invés de enfrentar as causas do baixo isolamento na capital, que está em 48%, apenas adotou medidas paliativas, como o fechamento de avenidas e um rodizio radical, logo revogados, e a antecipação de feriados, que pouco alterarou a taxa de isolamento.

Passados dois meses e meio desde a primeira morte em São Paulo, a prefeitura não implementou nenhuma ação eficaz para criar melhores condições para conter a transmissão do vírus, sobretudo nas áreas de habitação precária.

Ao invés de adotar medidas como a testagem em massa e o isolamento dos infectados em hotéis, uma política eficaz de assistência social, a manutenção da frota de ônibus em circulação para reduzir o risco de contaminação, a facilitação do acesso à internet para estudantes e população de baixa renda, entre outras iniciativas, o prefeito gasta os bilhões de reais do município em obras supérfluas, sobretudo nesse momento, como o recape do asfalto das avenidas e a conclusão da reforma do Parque do Anhangabaú.

Junho começa com uma combinação perigosa: um conflito institucional e político mesclado com uma crise sanitária, social e econômica. Se a astrologia estiver certa, um barril de pólvora está prestes a estourar.

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