Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki
Descrição de chapéu

Enquanto o presidente da Câmara quer a volta de poluição visual, teatros são despejados

Se sancionado, projeto de Eduardo Tuma gerará enorme retrocesso urbanístico e paisagístico

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A pandemia do novo coronavírus tem sido usada para justificar qualquer barbaridade que os governantes ou parlamentares querem aprovar, muitas vezes para favorecer interesses privados.

Agora é o presidente da Câmara Municipal, vereador Eduardo Tuma (PSDB), que quer aproveitar a crise econômica e sanitária para justificar a aprovação de uma lei, proposta em 2013, que trará a poluição visual de volta para São Paulo.

Adicionando um único parágrafo à Lei Cidade Limpa, o Projeto de Lei 898/2013, de sua autoria, permitirá a instalação de painéis publicitários em qualquer lugar da cidade onde existir um edifício. Aprovado em primeira votação na semana passadaa, se o dispositivo for sancionado gerará um enorme retrocesso urbanístico e paisagístico.

O artigo 18º da Lei Cidade Limpa diz, curto e grosso, que “Fica proibida, no âmbito do Município de São Paulo, a colocação de anúncio publicitário nos imóveis públicos e privados, edificados ou não”.

Homem passa diante de um painel de luzes no qual e vê um navio e mensagens publicitárias
Painel de LED com anúncio na avenida Europa, em São Paulo - Zanone Fraissat/Folhapress

Tuma quer adicionar um parágrafo único, dizendo que “O disposto no “caput” deste artigo não se aplica aos anúncios publicitários afixados no topo dos edifícios que tenham seus projetos aprovados pela Comissão de Proteção à Paisagem Urbana – CPPU”.

A modificação proposta criará cerca de 45 mil pontos publicitários (estima-se que seja esse o número de edifícios em São Paulo), concentrados sobretudo no centro expandido, onde é maior o interesse publicitário.

Para justificar tal barbaridade o vereador argumenta que, em tempos de pandemia, “a mudança vai permitir geração de renda, aquecimento da economia e ampliação da receita tributária”. É uma falácia, pois os ganhos econômicos para a cidade, além de não compensarem os prejuízos paisagísticos, seriam limitados.

A proliferação de outdoors poluindo o espaço aéreo da cidade, em tempos de comunicação digital, é anacrônica.

A iniciativa do vereador nada tem a ver com a pandemia. Ele apresentou o projeto de lei em 2013, quando o país não estava em crise econômica. Posteriormente, tentou, em outras oportunidades, aprovar a mudança da lei Cidade Limpa. Não teve sucesso, pois ela se tornou uma política de Estado, tamanho o impacto que gerou ao eliminar centenas de milhares de peças publicitárias que emporcalhavam a cidade.

Mas, em tempos de pandemia, é mais fácil passar uma boiada.

Antes da lei, a profusão de outdoors, além de poluir o espaço aéreo, pulverizava o valor da publicidade e gerava retornos irrisórios para o poder público. Em termos econômicos, a restrição de peças publicitárias a poucos espaços, como no mobiliário urbano, dá à Prefeitura um maior poder de barganha que pode ser convertido em contrapartidas mais relevantes.

Lamentavelmente, a municipalidade não vem utilizando essa vantagem, em todo seu potencial, para, por exemplo, implantar banheiros públicos em praças e em lugares de grande circulação de pessoas. A mobilização da sociedade é fundamental para evitar que esse absurdo vá adiante.

*

A Companhia de Teatro Pessoal do Faroeste está sendo despejada do prédio que ocupa há 22 anos na região da Luz por falta de pagamento de aluguel. Marcado para o último dia 3, o bota-fora foi adiado por 15 dias, e, se nada for feito, irá se efetivar.

O Faroeste, além da sua relevância na arena teatral, promove um importante trabalho sócio-cultural junto à população vulnerável da cracolândia.

Enquanto o oficial de Justiça entregava a ordem de despejo, determinando a saída do edifício, a companhia organizava a entrega de cestas básicas, atividade que faz de forma solidária, em uma cena patética que expressa as injustiças do Brasil.

O setor cultural é um dos que mais está sofrendo os efeitos da pandemia. Teatros que levaram anos para se estruturar poderão ser perdidos. A Cia. do Faroeste é um dos resultados do grande esforço realizado em São Paulo, por meio da Lei de Fomento ao Teatro, para consolidar o setor. Outros coletivos culturais, como o Quilombaque, em Perus, e a Casa da Lapa, estão ameaçados.

Os recursos federais da Lei Aldir Blanc, quando chegarem, poderão evitar mais perdas. Mas é obrigação da prefeitura e do estado defender os espaços culturais e evitar que eles desapareçam.

Não podemos sair da pandemia com menos teatros que tínhamos quando ela começou. Eles fazem parte do patrimônio imaterial da cidade, que precisa ser preservado. Sem eles, a cidade perde um pouco da sua alma.

LINK PRESENTE: Gostou desta coluna? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.