Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Plebiscito, aprovado de forma vergonhosa, é a melhor opção para decidir o futuro do Minhocão?

Se houver votação, é preciso apresentar à população projetos urbanísticos concretos para cada alternativa

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Nunca pensei que a redação que dei, como relator do Plano Diretor Estratégico (PDE), ao Parágrafo Único do seu artigo 375, que trata do destino do Minhocão, pudesse se tornar objeto de um plebiscito que, se for mesmo realizado, seria o primeiro a decidir sobre um projeto urbano em São Paulo.

Textualmente, o parágrafo estabelece que uma “Lei especifica deverá ser elaborada determinando a gradual restrição ao transporte individual motorizado no Elevado Costa e Silva, definindo prazos até sua completa desativação como via de tráfego, sua demolição ou sua transformação, parcial ou integral, em parque.”

Esta semana, a Câmara Municipal aprovou, em votação simbólica e remota, sem nenhum debate, um Decreto Legislativo determinando a realização de um plebiscito tendo como as alternativas previstas no PDE: a) a demolição do elevado; b) sua transformação parcial em parque; c) sua transformação integral em parque.

O Decreto entra em choque com a Lei 16.833/2018, aprovada pelo mesmo legislativo e sancionada pelo prefeito João Doria, que cria o Parque Municipal Minhocão e que não foi revogada por esse decreto, em óbvia contradição.

O texto final do PDE foi o acordo possível de uma acalorada polarização que ocorreu no processo participativo que realizamos sobre o destino do Minhocão. Era um consenso a necessidade de se priorizar uma cidade para as pessoas, determinando que o tráfego motorizado deveria ser gradualmente desativado no elevado. A briga era o que fazer com ele depois.

A defesa de um parque estava baseada em experiências internacionais, como o High Line Park, em New York, e o Promenade Plantée, em Paris, e sobretudo na vivência concreta dos paulistanos no uso do Minhocão nas noites e nos fins de semana, quando ele está aberto para as pessoas e se tornou um espaço vibrante de lazer, convivência e recreação.

A defesa da demolição argumentava que o Elevado é um monstrengo urbanístico, que nunca devia ter sido construído, que destruiu a tradicional e emblemática avenida São João e que deteriora o entorno, atraindo uma forte presença da população em situação de rua. Também citam experiências de demolições de elevados, como a Renaturalização Riacho Cheong Gye Cheon, em Seul, e remoção da Perimetral, no Rio de Janeiro, feita a peso de ouro.

A estratégia da relatoria do PDE foi dar tempo para que a sociedade aprofundasse esse debate urbanístico, apresentando projetos que fundamentasse cada alternativa, na perspectiva de se chegar a uma solução consensual, a ser consolidada em uma lei. Entre 2015 e 2016, a Câmara promoveu um grande fórum de debates, onde, ao invés de acordo, a polarização se acentuou.

Em 2018, foi aprovada a Lei 16.833 que criou o parque, mas deu um prazo de 720 dias para que a prefeitura elaborasse um Projeto de Intervenção Urbana, prevendo-se as mesmas três possibilidades. O prefeito Doria vetou a opção de demolição, consolidando a alternativa da implantação do parque, que começou a ser planejado.

Os insatisfeitos com esse encaminhamento buscaram judicialmente, com algum sucesso, paralisar o desenvolvimento do projeto e, finalmente, propuseram um plebiscito, através de Decreto Legislativo, como uma forma de embolar o meio do campo. Mas sua aprovação ocorreu sem debate público, nem mesmo entre os vereadores.

A votação foi simbólica, ou seja, apenas foi registrado o voto de um vereador contrário. Não é verdade que 54 vereadores foram favoráveis, como anunciou a imprensa. Esses vereadores apenas não se manifestaram e, talvez, nem soubessem o que estava sendo votado. É uma vergonha como está funcionando ao legislativo paulistano, no modo remoto, mas isso é assunto para outra coluna.

A utilização de instrumentos de participação direta para decidir questões urbanísticas, como o plebiscito e o referendo, são fundamentais e representam um avanço democrático. Nunca foram utilizados em São Paulo e seria bom se tivéssemos uma boa experiência. Para tanto, sua adoção precisa ser feita com seriedade e sobre temas que sejam relevantes para o conjunto da população, precedido de amplo debate público e farta informação sobre as alternativas.

Na hipótese desse plebiscito ir para frente, o que não acredito, seria necessário que fosse preparado previamente com muito cuidado, para que criasse uma tradição positiva de consulta a população.
Deveriam ser apresentados projetos urbanísticos concretos para cada alternativa, onde ficassem claro o resultado esperado, os custos de implantação da solução e os impactos sociais, urbanos, imobiliários e ambientais de cada opção.

Para que essa experiência fosse bem sucedida, é fundamental que a população estivesse bem esclarecida e com elementos concretos para se posicionar conscientemente.

Outra questão a ser debatida é a abrangência do plebiscito, ou seja, se todos os eleitores paulistanos poderiam participar ou se apenas as zonas eleitorais da região. A princípio, parece pacífico que todos devem participar, pois a questão é de legislação municipal.

Ressalto que o resultado de plebiscitos podem dar resultados totalmente diferentes de processos participativos que reúnem apenas os interessados, como audiências e consultas públicas.

Apesar de não ter aparecido ninguém no processo participativo do PDE defendendo a manutenção do trafego de veículos no Minhocão, pesquisa do Datafolha em setembro de 2014, ou seja, dois meses após a sansão do PDE, mostrou que 53% da população de São Paulo preferia manter o elevado como uma via expressa para automóveis contra 27% que defendia sua transformação em parque, 7% que defendia sua demolição e 17% que não sabiam responder.

O resultado dessa pesquisa mostra que nem sempre os plebiscitos geram as melhores soluções urbanísticas. Isso não diminui sua importância, mas mostra que as questões e as alternativas de respostas precisam ser bem formuladas para não gerar um resultado que contraria as diretrizes urbanísticas do Plano Diretor.

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