Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Eleições 2020

Sob Russomanno, São Paulo pode virar o Rio de Janeiro de Crivella

É o candidato de Bolsonaro, receba ou não seu apoio explícito, e não pode ser menosprezado

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O noticiário sobre o Rio de Janeiro é um show de horrores. Mas, como mostrou a pesquisa do Ibope sobre as eleições municipais publicada neste domingo (20), São Paulo está sob ameaça de trilhar pelo mesmo caminho.

Em um ano e meio de gestão, Wilson Witzel (PSC), eleito na onda bolsonarista de combate a corrupção, já integra o panteão dos governadores investigados, condenados ou presos, formado por todos os eleitos ainda vivos do estado.

A prefeitura carioca segue pelo mesmo caminho. O ex-prefeito Eduardo Paes, do mesmo MDB do ex-governador Sérgio Cabral na época das vacas (e das propinas) gordas, entrou na lista do processados pelo Ministério Público, com uma folha corrida de desvios que inclui um depósito de US$ 5,75 milhões no exterior, feito pela Odebrecht.

Ainda assim, muitos cariocas respiram aliviados com a possibilidade de Paes ganhar do prefeito Marcelo Crivella (Republicanos), candidato à reeleição, tamanha a quantidade de despropósitos, sandices e desvios que o ex-bispo da Igreja Universal vem promovendo.

Dentre as barbaridades, uma das mais graves é a tentativa de cercear o trabalho da imprensa. O prefeito é alvo de investigação sobre o grupo Guardiões do Crivella, servidores comissionados que monitoravam e impediam reportagens sobre a crise da saúde em hospitais municipais.

Ele também é acusado de participar de um esquema na RioTur, empresa municipal dirigida pelo irmão de um arrecadador de sua campanha de 2016. Esse arrecadador, mesmo sem cargo na prefeitura, influenciava a gestão, com direito a uma sala na Cidade das Artes, identificada pelos promotores como QG da propina de um esquema consentido pelo prefeito.

O MP afirma ter encontrado indícios de que a Igreja Universal do Reino de Deus foi usada para lavar dinheiro de corrupção da gestão Crivella, com movimentações atípicas de R$ 6 bilhões, em um ano, nas contas da Universal.

A lama que escorre dos palácios governamentais tem quase a mesma intensidade que os dízimos arrecadados nas igrejas e o sangue derramado pelas balas perdidas nos morros cariocas e nos extermínios cometidos pelas milícias. Teriam relação entre si? Estaria aí uma das razões que pode explicar porque o Rio de Janeiro elege tão mal seus governantes?

A resposta a essa pergunta pode nos alertar sobre o risco que os paulistanos correm nas próximas eleições.

A combinação Bíblia, armas e segurança alimenta um esquema eleitoral que se tornou maldito e invencível. As milícias atuam nas regiões de maior vulnerabilidade social, como um Estado dentro do Estado. Nas áreas sob seu controle, só faz campanha quem ela permite.

Sob o olhar permissivo da prefeitura, as milícias vêm ampliando sua rede de negócios, tornando-se empreendedora imobiliária informal, atuando em comunidades como Muzema. Como mostrou reportagem da Folha deste domingo, elas começam a atuar também em bairros ricos e em áreas de proteção ambiental, onde a omissão do poder público é uma vantagem.

As igrejas, com sua capilaridade em alcançar a população mais pobre, se tornou um dos principais instrumentos eleitorais. Ainda mais quando estão vinculadas a redes abertas de televisão e a partidos políticos.

As forças de segurança constituem o terceiro vértice desse esquema, formando uma poderosa estrutura integrada por redes de comunicação, com elevada capacidade de influenciar (e constranger) a população.

Foi desse contexto, regado a lama, sangue e dízimos, que emergiram para o Brasil figuras como Eduardo Cunha e Jair Bolsonaro. O primeiro ficou pelo caminho; o segundo elegeu-se presidente e trabalha pela propagação dessa fórmula pelo Brasil.

A pesquisa do Ibope sobre as eleições em São Paulo é preocupante porque aponta tendências que, se concretizadas, podem nos levar a um quadro que se aproxima do Rio de Janeiro. A campanha não começou, mas com a definição dos candidatos, de seus padrinhos, do tempo de TV e recursos do fundo eleitoral, as peças estão definidas.

Muito dos componentes sociais, urbanos e políticos do Rio estão presentes em São Paulo. Nessas eleições, o quadro de candidatos possibilita que se repita na capital paulista o desastre que assola os cariocas.

Russomanno, do Republicanos, mesmo partido de Crivella, dos filhos do presidente e da TV da Igreja Universal, sai na frente com 24%. É o candidato de Bolsonaro, receba ou não seu apoio explícito. Não pode ser menosprezado, como se fosse um eterno cavalo paraguaio.

O Brasil de 2020 não é o de 2012 nem o de 2016. A estratégia e a rede que elegeram Bolsonaro, cujas bases estão alicerçadas nos valores conservadores e no esquema Bíblia, bala e segurança, continuam ativas e fortes. Mesmo com limitações, as fake news continuarão a ser difundidas e compartilhadas, sobretudo pelos mais pobres, segmento onde Russomanno alcança 31%, e pelos evangélicos, onde ele tem 34%.

Com 7,7% do tempo de TV e sendo amplamente conhecido, não terá dificuldade para divulgar sua candidatura nem tempo demais para dar tiro no pé. Como os demais candidatos de direita e extrema direita estão muito atrás, tende a concentrar os votos desse campo, até porque sua rejeição é aceitável (24%). Ademais, 60% dos pesquisados ouve falar mais coisas positivas do que negativas dele.
O risco Russomanno é maior frente a algumas fragilidades dos adversários.

Bruno Covas (PSDB), o favorito, tem 18% de apoio, mas a maior rejeição (30%). Pior ainda: 44% dos pesquisados ouve falar mais coisas negativas dele, o maior dentre todos. Por outro lado, tem o apoio de 11 partidos, com um exército de cerca de 800 candidatos a vereador (farão campanha para ele?), muitos recursos e um enorme tempo de TV (40%). Mas tem dificuldade nas faixas de baixa renda e escolaridade. Ademais, seu padrinho, João Doria, pode levar 48% dos eleitores a não votarem nele. O efeito Alckmin de 2018 ronda o prefeito.

Os candidatos de centro esquerda e esquerda correm o risco de um abraço de afogados, facilitando a ida dos dois candidatos que estão da dianteira para o 2º turno.

O melhor colocado, Guilherme Boulos (PSOL), com 8%, tem poucos recursos e tempo de TV (1,9%). Seu eleitorado está concentrado no segmento de alta renda e escolaridade (17%), com pequena penetração nos setores populares (2%). Sua grande vantagem está na força das redes sociais e no apoio de formadores de opinião de esquerda.

Jilmar Tatto (PT) tem apenas 1%, mas o maior potencial de crescimento, pois o apoio de Lula pode levar 32% dos eleitores a votarem nele, além de contar com 10% do tempo de TV. Já Marcio França (PSB) alcança 6% e tem o maior tempo de TV entre os candidatos de centro esquerda (15%), mas fraco apelo entre os eleitores da cidade.

Frente às fragilidades de Covas e à divisão do campo à esquerda, o risco de São Paulo repetir a trajetória política do Rio de Janeiro, elegendo um candidato conservador e vinculado ao bolsonarismo, é real e trágica para a cidade e para o Brasil.

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