Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Mesmo perdendo no 2º turno, Boulos obteve uma vitória política

Que movimentos o psolista fará para transformar o que protagonizou em uma organização política que tenha seu tamanho é uma questão em aberto

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Ao perder ganhando, Guilherme Boulos se tornou uma das referências e novidades da política nacional, especialmente no campo da esquerda. O xadrez de 2022 ganhou um protagonista de peso, ao mesmo tempo em que a vitória de Covas fortalece a posição de Doria no campo do centro direita.

Se tivesse vencido as eleições, Boulos passaria a ser o detentor do terceiro cargo mais importante do país e o responsável por um orçamento de 70 bilhões de reais.

Nessa posição, além de ter voz ativa no debate nacional, teria recursos suficientes para introduzir inovações em políticas públicas que poderiam se tornar referencias nacionais, como foram as administrações de Luiza Erundina e Olívio Dutra, entre outras, nos anos 1990. Essas gestões municipais experimentais foram essenciais para a crescimento nacional do PT e para a eleição de Lula, concretizada dez anos depois.

Para isso, Boulos teria que construir uma gestão alternativa e criativa de ponto de vista político e administrativo para enfrentar as dificuldades reais da cidade e superar velhos dogmas ainda presentes no ideário da esquerda e de seu partido, sem frustrar expectativas e princípios, o que, aliás, começou a fazer na campanha do 2º turno.

No entanto, questões como a previdência municipal, reajustes salariais do funcionalismo, tercearizações de serviços, convênios com organizações sociais, relação com a Câmara Municipal, gratuidades e subsídios do transporte coletivo, entre outros, não bem equacionadas em seu programa, gerariam conflitos e desgastes, inclusive no âmbito de seus apoiadores e do próprio partido.

Se tivesse sido eleito, ele teria a responsabilidade de exercer o primeiro cargo executivo de relevância do PSOL, partido que, após 16 anos de existência, nunca administrou um município de grande porte e que, em 2020, elegeu apenas quatro prefeitos, além da presença no 2º turno em São Paulo e Belém. O sucesso de uma eventual gestão credenciaria o partido para voos mais altos e para se expandir pelo país, mas evidenciaria seus limites programáticos. Com a vitória do PSOL em Belém, essa responsabilidade passou a ser de Edmilson Rodrigues.

A campanha de Boulos cresceu e se vitaminou da esperança, do sonho e da utopia em um Brasil que vive um momento de distopia, de ódio e de medo. Foi um alento que reencantou muitos com a política.

Mas administrar um município de 12 milhões de habitantes, com problemas estruturais advindos de um modelo de desenvolvimento urbano insustentável, com uma base social e econômica injusta e desigual, exige mais do que vontade política, belos cards e vídeos de campanha e entusiasmo da juventude.

Boulos mostrou que poderia ir muito além disso. Sua capacidade de ouvir, negociar e flexibilizar propostas, no âmbito de um pragmatismo saudável, poderia gerar bons resultados. Como líder do MTST, foi um dos mais importantes interlocutores que tive na relatoria do Plano Diretor Estratégico de 2014, quando constatei seu enorme potencial político. Teria todas as condições ser um bom prefeito.

Apesar disso, nunca é demais relembrar que a prefeitura de São Paulo é um cemitério de políticos. Não foram poucos os ex-prefeitos que não se elegeram para qualquer cargo majoritário após a gestão: Erundina, Maluf, Pitta, Marta, Kassab, Haddad, ou seja, todos nos últimos trinta e dois anos, com exceção de Serra e Dória, que renunciaram após um ano e três meses, sob fortes críticas, para disputar com sucesso o governo do Estado.

Nesse sentido, a derrota de Boulos no 2º turno evita um inevitável desgaste que teria na gestão municipal. Sem essa responsabilidade, ele estará disponível para participar como um protagonista de peso das articulações nacionais de 2022.

Chegar ao 2º turno, com um discurso de esquerda mas sem o apoio institucional do PT, com 17 segundos de TV e poucos recursos, já foi uma vitória fenomenal. Esse sucesso foi obtido, por um lado, pelas decisões equivocadas do PT e, por outro, pela enorme mobilização nas redes e nas ruas, com grande envolvimento da juventude, da cultura e dos artistas, da intelectualidade, dos formadores de opinião, da educadores, da universidade e da igreja progressista, setores onde ele se tornou uma referência.

Contando com a importante contribuição de Erundina, ele se tornou maior que seu partido e aglutinou, já no 1º turno, setores progressistas que haviam deixado de votar na esquerda. Com seu desempenho, a soma dos três candidatos de esquerda (PT, PCdoB e PSOL), que em 2016 e 2018 não superaram 21% na capital, alcançou 29% dos votos no 1º turno. Ele abriu interlocução com setores da sociedade que o desconheciam ou tinham preconceito das ações do MTST, construindo pontes para futuro.

Sua campanha mobilizou novos atores políticos que entraram em cena na última década: coletivos juvenis, feministas e LGBTQIA+, organizações ambientais, culturais, e de agroecologia, grupos antifascistas e libertários e outras formas de ativismo político contemporâneo, que terão protagonismo crescente no futuro.

Não era previsível ele disputar, palmo a palmo, o 2º turno com o prefeito Bruno Covas e, menos ainda, reunir um amplo arco de centro-esquerda e lideranças como Lula, Ciro Gomes e Marina Silva, aliança que não se formou nem para enfrentar Bolsonaro em 2018.

Contribuiu para esse resultado os equívocos do PT. Ao não se autoavaliar, não se renovar e tomar decisões de forma burocrática, sobretudo em São Paulo, o PT deixou aberto o espaço da esquerda para a novidade representada por Boulos.

Ele mostrou que disputar uma eleição, mesmo com uma grande probabilidade de perder, é às vezes melhor do evitar as dificuldades de uma campanha. Ele saiu maior, liderando uma frente de esquerda no 2º turno, enquanto Haddad e Freixo, que abriram mão de concorrer, perderam uma excelente oportunidade de fortalecer seus protagonismos na esquerda.

Resta saber como Boulos administrará essa vitória. Tornou-se grande em um partido ainda pequeno, em nível nacional, embora muito atuante. Que movimentos fará para transformar o enorme movimento que protagonizou em uma organização política que tenha seu tamanho é uma questão em aberto e essencial para o futuro da esquerda brasileira.

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