Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Na falta de outra, a marca de Covas foi aumentar seu salário e da elite do funcionalismo

Por generosidade dos eleitores, prefeito terá quatro anos para mostrar algo mais para São Paulo

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Assim como é quase impossível uma gestão dar conta dos infindáveis problemas de São Paulo e agradar a maioria dos paulistanos, é raro um prefeito terminar seu mandato sem deixar nenhuma marca relevante da sua gestão.

Erundina é lembrada pela inversão das prioridades e pelos mutirões de moradia. Maluf, pelas obras viárias: minhocão e túneis sob o Pinheiros e Ibirapuera. Marta pelo bilhete único e pelos Ceu’s. Kassab pela recuperação da paisagem, com a Lei Cidade Limpa. Haddad por uma cidade para as pessoas, com ciclovias, Paulista aberta, redução de velocidade e cultura no espaço público.

Até Pitta, o prefeito mais mal avaliado das últimas décadas, deixou o Fura-Fila. Marca não significa, necessariamente, ações positivas para a cidade, mas propostas que se tornam referências de políticas públicas.

Ao contrário dessa tradição, a gestão João Doria-Bruno Covas (2017-2020), que agora se encerra, não deixou nenhuma referência relevante. Caracteriza-se por um vazio de ideias, pela falta de propostas e de ambição de deixar um legado.

Eleito com o lema João Trabalhador, João Gestor, Doria passou quinze meses fazendo marketing pessoal, se vestindo de gari e tentando se viabilizar como candidato a presidente. Fez quase cem viagens para fora da cidade, muitas vezes simultaneamente ao vice, Bruno Covas. A prefeitura ficou muitas vezes nas boas mãos do presidente da Câmara, o vereador Milton Leite, que será novamente eleito ao mesmo cargo.

Doria prometeu a eficiência do setor privado na gestão pública, mas não entregou. Seu método de gestão, centralizado e autoritário, se mostrou antiquado e seu Plano de Metas, falta de ousadia. Sem novas propostas, paralisou as obras de seu antecessor, como os hospitais de Parelheiros e Brasilândia, 12 Ceu’s e várias UBS’s.

Interrompeu ações de implementação do Plano Diretor, como a notificação dos imóveis ociosos e subutilizados. Destinou, em 2017 e 2018, menos da metade das porcentagens obrigatórias do Fundurb para a mobilidade ativa, transporte coletivo e aquisição de imóveis bem localizados para a construção de habitação social.

Episódios como o anúncio do fim da cracolândia, farinata na alimentação escolar, construção de um muro de vidro na Cidade Universitária, aumento dos limites da velocidade nas marginais e agressões contra jornalistas causaram indignação e desmascararam a farsa de bom gestor. Esquecidos frente a barbaridades mais recentes, esses fatos fazem parte da gestão que se encerra.

Sem entrar no mérito da sua pertinência, a privatização ou concessão de equipamentos públicos ao setor privado, a ideia fixa da gestão Doria/Covas, se efetivou muito parcialmente, sem gerar nenhum resultado visível para a cidade.

Os poucos equipamentos concedidos, como o Ibirapuera, continuam no mesmo estado, vide a marquise do parque, cuja recuperação não foi incluída entre as obrigações do concessionário, por malandragem ou falha do edital. Apesar da autorização legislativa, a maior parte do programa de desestatização, como o Anhembi e Interlagos, parques, cemitérios e terminais de ônibus não se concretizaram em quatro anos de gestão.

Doria, em quinze meses de governo, pouco conseguiu mostrar. Renunciou em abril de 2018, para concorrer a governador e, apesar de eleito, os resultados na capital mostraram a avaliação da população sobre seu desempenho: teve 26% no 1º turno e 42% no 2º.

Bruno Covas assumiu ofuscado, administrando no 1º ano com o secretariado e as metas de Doria e demonstrando pouco apetite para governar. Até 11 de março de 2019, em 339 dias de gestão, havia se ausentado por 38 dias da cidade. Nesse dia, estava passeando fora do país quando São Paulo amanheceu debaixo d’água, com 12 mortos.

Após esse desgaste, Covas decidiu iniciar, de fato, sua gestão. Em abril de 2019, sem processo participativo e sem justificativas, alterou o Plano de Metas. Foram excluídas 14 metas que tinham fraco desempenho, em saúde, meio ambiente, mobilidade e governança.

Na área urbanística, foram excluídas objetivos como: plantar 200 mil árvores, priorizando as dez subprefeituras com menor cobertura vegetal; aumentar a participação da mobilidade ativa e do transporte coletivo e construir 72 quilômetros de corredores de ônibus.

Apesar desse ajuste, segundo o relatório da prefeitura de 16/12, o prefeito não cumpriu 25 das 71 metas estabelecidas (35%), como implantação de parques, recuperação de pontes, construção de habitação social e de UPAs, a universalização da coleta seletiva e a melhoria nas notas do Ibed (Indice de Desenvolvimento da Educação Básica).

A análise completa do Plano de Metas faremos em outra coluna. Mas fica claro, em uma análise preliminar que, em quatro anos de gestão, a prefeitura teve um baixo nível de investimento.

Apesar da gestão Doria/Covas ter encontrado as finanças saneadas pela negociação da dívida promovida por Haddad em 2016, ela foi a que menos investiu desde 2005, de acordo com a própria prefeitura. Até outubro de 2020, a gestão havia investido R$ 8,2 bilhões, menos do que as gestões de Haddad, Kassab e Serra/Kassab.

Apenas no último ano e meio de gestão, o prefeito resolveu arregaçar as mangas e governar, disposição que cresceu quando foi diagnosticado com um câncer.

Com os cofres cheios, o prefeito resolveu finalizar as obras iniciadas na gestão Haddad, como os hospitais e os CEU’s e investir na manutenção viária, com recuperação do asfalto, de calçadas e de ciclovias, ações com impacto eleitoral.

Sem propostas mais relevantes elaboradas, desengavetou o projeto do Anhangabaú, que Haddad havia decidido não implementar e aplicou mais de cem milhões em uma polêmica obra, iniciativa que revelou a falta de projetos estruturantes da gestão.


Na pandemia, a postura firme do prefeito alavancou seu projeto reeleitoral. Mas, objetivamente, o desempenho foi sofrível. Os 22.350 mortos por Covid em São Paulo, entre confirmados e suspeitos, coloca a cidade no 2ª posição no mundo em número absoluto de óbitos e uma das maiores em termos relativos, com quase dois mortos a cada mil habitantes, embora a cidade conte com uma das melhores redes hospitalares pública e privada do país.

A gestão não formulou políticas emergenciais para dar segurança e acolhimento à população vulnerável. Reduziu a frota de ônibus, contribuindo para a aglomeração; não implementou ações emergenciais em moradia popular; assistiu inerte ao crescimento da população abrigada em barracas nas calçadas, a maioria famílias despejadas de cômodos alugados; não facilitou o acesso à internet e a computadores aos alunos da rede municipal; interrompeu a alimentação escolar para a maioria desse estudantes.

Com essa insensibilidade, não surpreende as últimas decisões da gestão Covas: retirar a gratuidade do transporte coletivo para os idosos de 60 a 64 anos e reajustar (de 46% a 53%) dos salários do prefeito, do vice-prefeito, dos secretários e da elite dos funcionários da prefeitura, da Câmara e do Tribunal de Contas, com um impacto que pode chegar a R$ 500 milhões.

Como último ato, que na falta de outro, acaba por marcar seu primeiro mandato, o prefeito reforçou a desigualdade que ele, em artigo nessa Folha (27/11), disse combater. Enquanto os servidores municipais têm tido, em anos sucessivos, (não) reajustes de 0,1%, os do topo vão ganhar aumentos até 46%.

Por generosidade dos eleitores, alguns já arrependidos, o prefeito terá mais quatro anos para mostrar algo mais para São Paulo.

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