Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Auxílio emergencial, OK, mas e um plano anticíclico para gerar emprego e renda?

Depois de um ano de pandemia, é espantoso que não tenha sido formulada uma proposta de caráter anticíclico

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Esperava-se que, em 2021, tivéssemos um novo normal, pós-pandemia. Mas, ao contrário, o Brasil vive um novo pico de Covid 19. Há 32 dias, a média diária ultrapassa mil óbitos e domingo passado alcançou 1105, um recorde.

A nova cepa amazônica, mais contagiosa, está chegando ao resto do país, acendendo a luz vermelha. Tivéssemos governantes responsáveis, o lockdown seria a recomendação mais sensata.

Nesse contexto, a retomada do auxílio emergencial é urgente e se tornou quase consensual. Do presidente Bolsonaro ao PSOL, todos concordam que o auxílio é indispensável, embora haja divergência no valor, na duração e no número de beneficiários.

Sem ele, milhões de famílias não têm o que comer, o PIB fica estagnado e é impossível manter o isolamento social, que ainda será, por muitos meses, a única vacina disponível para a maioria da população. Mas o auxílio é uma armadilha. Se não for estruturada uma estratégia de transição para em algum momento dispensá-lo, ficaremos dependente dele por muito tempo.

Depois de um ano de pandemia e recessão, é espantoso que não tenha sido formulada nenhuma proposta ou programa governamental de caráter anticíclico destinada a gerar empregos e renda e retomar um crescimento econômico sustentável que, em breve, possa dispensar o auxílio.

Economistas e lideranças de 12 partidos, em um arco que vai da centro direita à esquerda, reunidos em uma reunião do Conselho Político do “Direitos Já! Fórum pela democracia”, uma frente ampla antibolsonarista, chegaram a um consenso em torno da necessidade de estender o auxílio por doze meses, mantendo o atual número de beneficiários (67 milhões de pessoas).

A maioria defendeu um valor equivalente com o custo de uma Cesta Básica de Alimentos. Isso significa algo em torno de R$ 600, pois segundo a Pesquisa Nacional do Dieese, a cesta varia de R$ 450,84 (Aracaju) a R$ 654,15 (São Paulo). Essa proposta teria um custo total de R$ 460 bilhões de reais!

Já o governo fala em números mais modestos. De R$ 200 a R$ 300 por três ou quatro meses, reduzindo-se a metade o número de beneficiários. Pelo atual ritmo de enfrentamento à pandemia e pelo nível de populismo do presidente, parece óbvio que esse prazo deverá ser ampliado, digamos para seis meses, apesar da oposição do ministro do ajuste fiscal, Paulo Guedes. Formatada dessa forma, o custo poderia variar de R$ 58 bilhões a 116 bilhões.

Em 2020, vimos que o discurso do aperto fiscal é relativo. O governo se endividou e gastou R$ 274 bilhões com o auxílio emergencial. Ele teve papel relevante para tirar famílias da pobreza, reduzir a desigualdade e atenuar a forte a recessão, como mostrou estudo da professora da FEA-USP, Laura Carvalho.

A questão é que esses benefícios são efêmeros, é como um voo de galinha. A interrupção do auxílio levou essas famílias de volta à miséria e à queda da taxa de crescimento da economia nesse primeiro bimestre. Embora o retorno do auxílio emergencial seja urgente, se o país não adotar uma política anticíclica, com investimentos públicos em setores capazes de gerar emprego, a situação se repetirá logo que o auxílio for interrompido novamente.

Todos os países que enfrentaram com sucesso uma recessão econômica criaram programas de obras públicas com repercussão social. O exemplo clássico é o New Deal, mas temos um exemplo recente no Brasil: o Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV).

Independentemente de uma avaliação do PMCMV no combate ao déficit e no impacto urbano, que farei em outra artigo (inclusive para responder ao economista Samuel Pessoa, que vem tratando desse tema em sua coluna), o fato é que ele contribuiu para impulsionar rapidamente a economia, depois da crise de 2008/9, garantindo a retomada do crescimento do PIB e um quase pleno emprego que vigorou até 2015.

Segundo estudo da economista Ana Maria Castelo, coordenadora de Estudos da Construção Civil do Ibre/FGV, em nove anos, o PMCMV gerou 3,5 milhões de empregos e R$ 163,4 bilhões em tributos diretos e indiretos. Esse valor é superior ao subsídios aportados pelo Tesouro para atender a baixa renda (Faixa 1), que atingiram cerca de R$110 bilhões. Desde 2015, o governo vem reduzindo drasticamente os subsídios para a Faixa 1, que praticamente desapareceram no governo Bolsonaro.

Programas de habitação social, saneamento básico e infraestrutura urbana, atrelados a compromissos ambientais, tal como proposto pelo “Green New Deal”, geram forte impacto no mercado de trabalho formal e tem elevada efeitos multiplicadores na economia. Grande parte dos investimentos realizados retornam para o comercio e os serviços populares, além de aumentarem a arrecadação tributária em um cadeia produtiva que independe de importações.

Muitos poderão perguntar: mas existem recursos para um programa anticíclico de grande dimensão promovido pelo governo? Foi consenso entre os economistas reunidos no “Direitos Já” que o Brasil tem espaço para aumentar seu endividamento, e que o auxílio pode ser financiado através da emissão de títulos da dívida pública. O endividamento brasileiro está na faixa de 90% do PIB, abaixo de países como a Itália (159%), a Espanha (120%) e a França (117%).

Para enfrentar a pandemia, todos os países afroixaram suas metas fiscais e injetaram recursos na economia, assim como fizeram em 2008. Se é possível se endividar para pagar o auxílio, porque não financiar programas que, além de impulsionar a economia e gerar empregos, trariam benefícios permanentes para a população? Frente a dimensão do custo do auxílio emergencial, um programa de investimento urbano seria relativamente modesto, com significativo impacto econômico, social e ambiental.

Ademais, uma reforma tributária focada em aumentar a progressividade, taxando os lucros, dividendos, grandes fortunas e heranças, como propôs o professor da FGV, Manoel Pires no artigo “Aumentar impostos nem sempre é nocivo à economia e pode gerar crescimento”, publicado nesse domingo na Ilustríssima, pode gerar recursos adicionais para uma iniciativa estratégica anticíclica, que trará benefícios para toda a sociedade.

Existem inúmeros projetos na área da habitação de baixa renda prontos, contratados e não contratados, e não iniciados por falta de recursos, de modo que um programa como esse poderia deslanchar a tempo de gerar impactos na geração de empregos que permitisse uma transição suave do auxílio emergencial para um mecanismo mais sustentável de transferência de renda.

Surpreende que esse tema não esteja na pauta. Isso só ocorre porque a lógica do governo não está pautada do desenvolvimento mas na destruição. Cabe à sociedade civil, aos partidos de oposição e ao Congresso debater o tema na perspectiva de apontar um futuro para o país.

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