Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Coronavírus

Crimes ambientais de Bolsonaro são mais duradouros do que os praticados contra a saúde

Para onde se olha, vê-se desmonte da gestão pública

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Não resta dúvida que Jair Bolsonaro foi principal responsável do Brasil estar entre os dez países onde a Covid-19 fez mais vítimas, em qualquer um dos indicadores que se queira adotar: número total de mortos (2º), índice por 100 mil habitantes (8º), mortes em excesso, acima da média histórica (7º) e índice de mortos relativizado por faixa etária (10º).

A CPI da Covid-19 mostrou os crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente na pandemia, como desrespeitar as recomendações de usar máscaras e não gerar aglomerações, colocando vidas em risco; não se empenhar para adquirir vacinas, atrasando o Plano Nacional de Vacinação; participar direta ou indiretamente em esquemas de corrupção na compra de vacinas e/ou prevaricar na apuração de denúncias; não promover campanhas de esclarecimento e recomendar tratamentos ineficientes.

No entanto, a pré-existência de uma política de saúde estruturada, com um sistema universal de atendimento (SUS), recursos vinculados, articulação federativa e tradição em campanhas de vacinação, evitou que o presidente levasse o Brasil a uma tragédia ainda maior do que a que estamos passando.

Somou-se ao SUS, em contraposição ao presidente, o firme posicionamento do STF, garantindo autonomia aos estados e municípios na definição de protocolos de prevenção; as iniciativas do legislativo em 2020, quando teve certa autonomia em relação ao governo; a responsabilidade de alguns governadores e prefeitos, que enfrentaram o desgaste e adotaram o isolamento; e o posicionamento da maioria da mídia, que manteve a população bem informada. De alguma maneira, a sociedade se defendeu.

Embora o Brasil se destaque entre os países de pior desempenho no enfrentamento da pandemia, seus índices não estão muito distante dos mais populosos países latino-americanos, que têm renda per capita e IDH próximos aos brasileiros.

O Brasil ocupa a 8ª posição em número de óbitos por 100 mil habitantes enquanto o Peru ocupa a 1ª posição, a Colômbia a 9ª e a Argentina a 10ª. Em termos de mortes em excesso acima da média histórica, o Brasil está na 7ª posição, enquanto o Peru está na 1ª, o México na 4ª e a Colômbia na 8ª.

Frente à postura criminosa do governo federal, o equilíbrio entre os poderes e entes federativos e a existência de uma sociedade civil forte impediu que os resultados fossem ainda piores.

A CPI foi fundamental para investigar o desastre do governo na saúde, que a pandemia tornou o setor mais importante da gestão pública em 2020/2021. Mas o que ocorre na saúde é apenas uma amostra do descalabro que vigora na gestão federal.

Para onde se olha, vê-se desmonte da gestão pública. Um dos mais graves é a política deliberada de devastação da Amazônia para facilitar negócios ilegais, como a mineração, o desmatamento e a grilagem de terras, ação criminosa que contribui para ampliar os efeitos climáticos extremos.

Não se pode acusar o presidente de descumprir seu programa de governo. Explicitamente, ele declarou que seu objetivo era destruir e está cumprindo. Prometeu sair do Acordo de Paris e embora não o tenha feito formalmente, na prática abandonou os compromissos assumidos, desmontando a estratégia de combate ao desmatamento da Amazônia.

Desde o início de seu governo, o desmatamento cresce anualmente e atingiu, em 2020, a maior área devastada desde 2008. No primeiro semestre de 2021, a Amazônia teve a maior área sob alerta de desmate em seis anos, segundo o INPE.

A conivência do governo com a destruição das florestas é notória. Em agosto de 2019, fazendeiros do entorno da BR-163, no Pará, promoveram o Dia do Fogo, queimadas criminosas que fez o número de focos de calor aumentar 300% de um dia para o outro. Não por acaso, o ex-ministro Ricardo Salles esteve na região na época.

O Greenpeace identificou 478 propriedades onde ocorreu o episódio. Um ano depois, a maior parte tinha sido transformada em pasto, mas apenas 5,3% dos desmatadores sofreram alguma punição. Metade dessas áreas tinham Cadastro Ambiental Rural (CAR) e podiam ser identificadas pelo governo.

Esse baixo número de multas deve-se à falta de vontade política de combater o desmatamento. Nota técnica no Ibama revelou que o processo de avaliação de multas ambientais está paralisado. Segundo o documento, o número de processos de infrações ambientais julgado caiu de 20.773, em 2019, para 5.522, em 2020. A ação fiscalizatória do governo foi reduzida pelo sucateamento dos órgãos ambientais e perseguição de seus funcionários.

Em 2020, a maior tragédia ocorreu no Pantanal. Quase um terço de sua área foi queimada, recorde histórico, com um acréscimo de 220% em relação a 2019. Embora o clima seco possa ter impulsionado a tragédia, pericias realizadas pelo governo de Mato Grosso revelou a ação humana foi a causa inicial das queimadas, em especial desmatamento para abrir pastos.

Em setembro de 2020, o Conselho de Meio Ambiente, cuja composição foi alterada pelo ex-ministro em 2019, aprovou quatro resoluções polêmicas, entre as quais as que liberavam o desmatamento em restingas e manguezais.

Na Operação Akuanduba, a PF investiga Salles por crimes contra a administração pública, como corrupção, advocacia administrativa, prevaricação e facilitação de contrabando, praticados por agentes públicos e empresários do ramo madeireiro.

O ex-ministro tentou pessoalmente liberar a maior apreensão de madeira da história do país, que, segundo a PF, é produto de desmatamento ilegal. São mais de 200 mil metros cúbicos de madeira, resultante de 65 mil arvores derrubadas.

Salles deixou o governo com receio de ser preso, mas a política que praticava está tendo continuidade, pois ela era respaldada pelo próprio presidente. Ela revela um padrão claro, de estímulo ao desmatamento.

As consequências são brutais tanto para o país como para o planeta, pois o sistema ambiental é interligado e as manifestações dos efeitos climáticos extremos estão ocorrendo em várias partes do mundo.

As secas que afetam o sudeste brasileiro, responsáveis pela maior crise energética dos últimos vinte anos, as fortes tempestades que ocorrem na Europa Ocidental, com centenas de mortes e risco de rompimento de diques, as terríveis ondas de calor que atingem o Canadá e o degelo na Groenlândia e na Antártida, tem relação com a devastação das florestas no Brasil.

Os crimes ambientais que o governo Bolsonaro vem cometendo são tão graves e muito mais duradouros que os praticados no enfrentamento da pandemia. Seus desdobramentos serão sentidos por décadas, gerando secas, inundações, imigrações e deslocamentos forçados, fome e mortes. Um verdadeiro genocídio que durará décadas e inviabilizará a vida em muitas partes do planeta.

Estamos entrando em um novo período de seca na Amazônia e Pantanal. Novas tragédias devem ocorrer se nada for feito. É urgente que o STF determine a imediata instalação da CPI do desmatamento na Câmara Federal, como fez no caso da Covid no Senado. Precisamos dar visibilidade para um tema fundamental, que tem sido obscurecido pela pandemia.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.