Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Quem mandou matar Toninho, o prefeito que queria mudar Campinas, e por quê?

Após vinte anos, o crime prescreveu e venceu a impunidade

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O 11 de Setembro tem outro significado para nós, arquitetos e urbanistas que fazem parte de uma geração que, nos anos 1970 e 1980, optou por trabalhar nos bairros populares, assessorando, com saber técnico e sensibilidade política, os mais pobres e as comunidades de base, organizadas pela igreja progressista.

Enquanto as torres gêmeas eram atacadas por Bin Laden em New York, naquele fatídico dia de 2001, recebemos a notícia do assassinato do arquiteto Antônio da Costa Santos, o Toninho, que há oito meses era o prefeito de Campinas.

Foi um choque tremendo para todos nós e logo nos perguntamos: quem mandou matar Toninho e por quê? Uma pergunta até hoje sem resposta, por omissão do Estado brasileiro.

O prefeito era uma das maiores esperanças dessa geração de arquitetos e urbanistas progressistas, que tinha os olhos voltados para a inclusão social e para a proteção cultural e ambiental, de que poderíamos contribuir para mudar o caráter excludente, devastador e insustentável das nossas cidades.

Professor da PUC de Campinas, ele ensinava que “era possível fazer política produzindo arquitetura”, como lembrou o arquiteto Renato Anelli, que foi seu aluno. Ou, invertendo a frase, diria que só era possível produzir arquitetura e urbanismo social e mudar a cidade, fazendo política. Quando ele teve condições para colocar em prática essa lição, foi exterminado.

O prefeito de Campinas Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, foi morto em 10 de setembro de 2001
O prefeito de Campinas Antônio da Costa Santos, o Toninho do PT, foi morto em 10 de setembro de 2001 - Moacyr Lopes Junior/Folhapress/6.out.2000/Folhapress

Muito tem se falado sobre o assassinato de Toninho, que teve interrompida a vida quando mais ela podia dar frutos. Mas pouco se conhece sobre sua trajetória, ética e perfil profissional e político, que dão pistas sobre possíveis causas do assassinato. Ela também mostra a dificuldade de pessoas honestas e competentes administrarem a coisa pública nesse país.

Recém formado, Toninho começou a trabalhar nas periferias. Em 1975, em um encontro com o padre Benedito Malvestiti, o arquiteto assumiu o projeto e construção de um Centro Comunitário no Jardim São Gabriel. Centros comunitários em bairros periféricos eram uma estratégia da Igreja Católica para reunir os moradores e reivindicar direitos urbanos.

Durante quinze anos, Toninho assessorou a Assembleia do Povo em projetos de urbanização de favelas, que, até então, não eram reconhecidas como parte da cidade e eram excluídas dos serviços urbanos. Lutava-se por água, luz, urbanização e regularização de terra. Por direitos básicos de cidadania.

A experiência foi registrada em sua dissertação de mestrado, defendida na USP de São Carlos, com o sugestivo título de “O ato de morar: uma oficina urbana com posseiros”.

Ao mesmo tempo, Toninho projetava residências em seu escritório de arquitetura, influenciado pela “Escola Paulista” e, em 1985, criou o “Febre Amarela”, um movimento que buscava sensibilizar a sociedade pela defesa do patrimônio arquitetônico e cultural.

Foi a ação direta desse grupo, enfrentando a especulação imobiliária, que impediu a demolição ou os incêndios “misteriosos” de muitos prédios históricos de Campinas. Como desdobramento, participou da criação do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas.

Filiado ao PT desde 1981, opção da maioria dos arquitetos dessa geração, foi eleito vice-prefeito de Campinas em 1989. Indicado secretário de Obras e Planejamento, iniciou uma extensa agenda para transformar a cidade, que ia da urbanização de favelas à um novo Plano Diretor.

Foi obrigado, no entanto, a interromper esse trabalho. Após desvendar e denunciar publicamente um esquema de corrupção em licitações na própria prefeitura, não teve força política para barrá-lo e se demitiu após quinze meses como secretário.

Nos anos 1990, frente ao crescimento da violência, denunciou o crime organizado, que se enraizava em Campinas, chegando a prestar depoimento às CPIs do narcotráfico e do roubo de cargas no Congresso Nacional. Será que isso tem a ver com o descaso da Polícia Civil na apuração do seu assassinato?

Como entendia que “só pode fazer alguma coisa se tiver a caneta na mão” e tendo se preparado para a função, Toninho candidatou a prefeito em 1996 e, finalmente, foi eleito em 2.000, com um programa de mudanças estruturais, que contrariavam o patrimonialismo e diversos interesses fortemente estabelecidos na cidade.

Sem cortar serviços, reduziu em 30% o valor dos contratos da merenda escolar e coleta de lixo. Enfrentou o sistema clandestino de vans. Criou a Área de Preservação Ambiental de Sousas e Joaquim Egídio. Iniciou o projeto da Cidade Viracopos, para abrigar os deslocados pela expansão de Viracopos.

Como afirmou seu ex-secretário Geraldo Melo no documentário “Toninho 20 anos: a verdade é demais para nós?”, realizado pelo G1: “Toninho mexeu no coração da corrupção da cidade. Estava atrapalhando os espertos que extorquiam o dinheiro da prefeitura. Ele queria acabar com isso”.

Para Otavio Araújo, seu ex-assessor, “Toninho sempre defendeu o diálogo, mas era duro e intransigente com aquilo que acreditava: a ética, a democracia, o zelo com o bem público e a política como forma de transformar e mudar, para melhor, o mundo e a vida das pessoas”.

Investigar, a sério, seu assassinato teria sido mais do que fazer justiça. Seria desvendar os caminhos por onde transitam as relações promiscuas entre os interesses privados e a coisa pública. Mas, passados vinte anos, nenhuma investigação séria foi feita.

A Polícia Civil de Campinas não investigou a sério o assassinato e, ainda, exterminou possíveis testemunhas no mês seguinte ao crime, em Caraguatatuba. A investigação foi transferida para a Polícia da capital, que atuou de forma negligente, na linha de ser um crime banal, tese aceita pelo Ministério Público Estadual. Não chegou a nenhuma conclusão.

Frente aos fortes indícios de que a polícia local não se empenhava para desvendar o crime, a família solicitou a federalização das investigações, mas o Ministério da Justiça e o Ministério Público Federal rejeitaram a proposta, apesar do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirmar “que era minha convicção de que realmente, passados tantos anos, era de bom tom que essa investigação fosse deslocada para a âmbito federal”.

Após vinte anos, o crime prescreveu e venceu a impunidade. Sem alternativas, a família irá protocolar uma denúncia de omissão contra o Estado brasileiro junto à Comissão Interamericana de Direitos humanos da OEA.

Como afirma sua filha Marina, de forma emocionada, no citado documentário, “eu prefiro que fique registrado na história que não se sabe por que meu pai morreu do que fique registrado que ele morreu por uma questão banal ... Ele queria mudar essa cidade de uma forma que não foi possível. Eu não tenho dúvida que esse foi o motivo do seu assassinato”.

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