Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Na praia, lembre-se que o descartável viajará 160 km até o aterro ou ficará 400 anos no mar

A grande ameaça vem dos plásticos, que poderão eliminar a vida marinha em algumas décadas e trazer graves prejuízos para a saúde humana

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Nesse momento, alguns milhões de brasileiros estão se dirigindo para o litoral. Nos congestionamentos que inevitavelmente estão se formando nas estradas, eles terão um tempinho para refletir na qualidade e resiliência do ambiente marítimo que esperam usufruir nesses dias de férias e sol.

A Folha divulgou essa semana as condições de balneabilidade de 1.338 praias brasileiras, com informações coletada em 14 órgãos ambientais estaduais. É incrível que um serviço dessa relevância seja prestado por um órgão de imprensa e não pelo Ministério do Meio Ambiente.

A ausência de um monitoramento nacional da balneabilidade das praias, centralizado pelo governo federal, expressa a falta de uma política de proteção e de uso sustentável do mar em um país que tem 7,5 mil quilômetros de costa, a maior do Atlântico.

 Lixo plástico na Praia do Una, que pertence ao município de Iguape, no litoral sul de São Paulo
Lixo plástico na Praia do Una, que pertence ao município de Iguape, no litoral sul de São Paulo - Eduardo Anizelli - 02.nov.2018/Folhapress

O indicador utilizado nessa avaliação é a quantidade de coliformes fecais existentes na água, que reflete a situação do saneamento básico do entorno, ou seja, a extensão da rede e qualidade do tratamento do esgoto. O levantamento mostrou que a qualidade da água permaneceu estabilizada nos últimos cinco anos.

A informação é fundamental para o cidadão, mas está longe de expressar a totalidade dos resíduos que poluem e ameaçam os oceanos. A grande ameaça vem dos plásticos, que poderão eliminar a vida marinha em algumas décadas e trazer graves prejuízos para a saúde humana.

Enquanto existe, ao menos, a consciência de que é premente universalizar o saneamento básico, meta presente em todas as leis que tratam do tema e que poderia ser alcançada se fossem feitos os investimentos necessários, inexistem políticas públicas para minimizar ou banir o uso crescente de plásticos descartáveis. Os cidadãos, na verdade, são estimulados cotidianamente a utilizá-los cada vez mais.

Um estudo publicado em junho na revista Nature Sustainability revelou que 80% do lixo encontrado nos oceanos é composto por plástico. Com base em 36 bancos de dados em todo o planeta, a pesquisa utilizou informações de 12 milhões de pontos de observação e analisou 112 categorias de resíduos com mais de três centímetros em sete ecossistemas.

A maior proporção de plástico encontra-se nas águas superficiais (95%), seguida das costas (83%). Sacolas descartáveis, garrafas plásticas, recipientes para alimentos e embalagens de comida, artigos de uso único, são os itens que mais poluem os mares, representando quase metade dos dejetos de origem humana.

Segundo uma das autoras da pesquisa, Carmen Morales-Caselles, da Universidade de Cádiz (Espanha), "ficamos surpresos com a alta proporção de itens para viagem, não apenas do McDonald's mas como garrafas de água e de bebidas como Coca-Cola".

Desde o início da produção massiva de plásticos, nos anos 1950, o mundo produziu 8,3 bilhões de toneladas. Atualmente, são produzidas anualmente 500 milhões de toneladas de plástico, de acordo com o Greenpeace. Embora o plástico possa ser usado para produtos com longa vida útil, como móveis e tubulações, cerca de 50% dessa produção é destinada a produtos descartáveis.

Como o material não é biodegradável, parte acaba nos oceanos. Segundo o Parlamento Europeu, em 2018, mais de 150 milhões de toneladas de resíduos plásticos poluíam os oceanos.

Se o crescimento exponencial do uso de descartáveis não for revertido, até 2050 poderá haver mais plástico do que peixe nos oceanos, segundo uma estimativa da Fundação Ellen MacArthur.

O prejuízo causado pelo plástico no ambiente marinho será irreversível. Alguns tipos de plásticos, assim como o isopor, podem levar até 450 anos para se decompor integralmente.

Nos oceanos, o plástico se divide paulatinamente em microfragmentos, que acabam ingeridos pela fauna marinha, como plânctons e pequenos crustáceos, que se intoxicam e contaminam toda a cadeia alimentar até chegar à alimentação humana, com consequências ainda desconhecidas para a saúde.

Durante uma tentativa de salvamento de uma baleia na Tailândia, ela vomitou cinco sacos de plásticos e morreu. Na autopsia, os veterinários encontraram 80 sacolas e outros rejeitos plásticos, que entupiam o seu estômago.

Em 2016, de acordo com um estudo da FAO, cerca de 800 espécies de moluscos, crustáceos e peixes já tinham comido plástico. Levantamento realizado em 34 espécies de aves no norte da Europa, apontou que 74% delas ingeriram plástico, apresentando danos no aparelho digestivo.

Você, que está agora debaixo do guarda-sol, tomando aquela caipirinha em copo descartável, comendo uma isca de peixe que parece saudável, deve estar pensando com a consciência tranquila: "bem que eu recusei o canudinho, mas para o copo, o jeito é reciclar".

Mas a solução não é tão simples assim, pois a reciclagem da maioria dos plásticos não é economicamente viável. E os canudinhos, que começaram a ser combatidos a partir de uma iniciativa da União Europeia, representam cerca de 2% dos descartáveis.

De todo o plástico produzido até hoje no planeta, apenas 9% foi reciclado e 12% foi incinerado (o que também gera poluição ambiental), enquanto que 79% ficou no ambiente ou foi transportado para um aterro sanitário ou lixão.

O transporte dos resíduos para os aterros sanitários, embora seja a única solução para os milhares de toneladas de resíduos produzidas diariamente nos municípios litorâneos, está longe de ser uma solução sustentável.

Os resíduos dos quatro municípios do litoral norte de São Paulo (São Sebastião, Caraguatatuba, Ubatuba e Ilha Bela), depois de coletados, compactados e feito o transbordo, são enviados para os aterros sanitários localizados em Jambeiro e Tremembé, no Vale do Paraíba, percorrendo uma distância de 100 km até 170 km.

Os milhares de descartáveis, utilizados uma única vez e descartados, fazem essa longa viagem em caminhões que sobem a serra carregados, emitindo CO2 e contribuindo para as mudanças climáticas, a um custo elevadíssimo. Segundo o Instituto Polis, esses municípios gastam cerca de 10% do seu orçamento municipal com a gestão dos resíduos sólidos.

A dimensão desse problema requer políticas públicas mais radicais, como o banimento dos descartáveis de plástico de uso único e uma rigorosa política para reduzir a geração de resíduos. É necessário implementar a logística reversa de embalagens, fazendo cumprir a Lei Nacional de Resíduos Sólidos, que determina que o gerador deva ser o pagador.

Mas a responsabilidade é também do cidadão, de todos nós. Recusar descartáveis, usar sacola, caneca, copo e canudo reutilizável de uso pessoal e mudar hábitos de consumo fazem parte de pequenas atitudes que nos fazer sentir contribuindo para um mundo melhor, em um ano que esperamos ser mudança.

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