É incalculável o prejuízo ambiental e urbano que a atual gestão municipal de São Paulo, com a autorização e apoio irrestrito da Câmara Municipal, está promovendo no bairro da Água Branca, situada na várzea do rio Tietê.
Através de leis, decretos e ações administrativas, a prefeitura está concedendo e privatizando vários terrenos municipais onde o plano urbanístico da OUCAB (Operação Urbana Consorciada Água Branca) previu a implantação de um parque, que ficará inviabilizado se essas iniciativas não forem interrompidas.
A lei 15.893/2013, que aprovou a OUCAB, estabeleceu que nos terrenos municipais dos subsetores A1 e A2 (cerca de 240 mil m²), deveriam ser implantados um conjunto habitacional destinado aos moradores removidos das favelas do Sapo e Aldeinha (que tratei na coluna de 14/11), um CEU, uma UBS e um parque que teria, depois de completo, cerca de 150 mil m², ou seja, seis vezes o parque Augusta.
O parque é importantíssimo tanto para o lazer dos paulistanos como para a drenagem urbana e prevenção de enchentes. Ele ampliaria a permeabilidade do solo em uma região muito sensível do ponto de vista ambiental e geomorfológico, situada junto ao rio Tietê, região que sofre com inundações, que deverão ser cada vez mais frequentes devido aos eventos extremos e à emergência climática.
Mas a atual gestão municipal está jogando essa proposta no lixo. Em dezembro, antes do recesso, a Câmara Municipal aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 756/2021, de autoria do executivo, que autorizou a concessão administrativa de uso ou privatização de uma série de áreas municipais, entre as quais três onde está prevista a implantação desse parque.
No artigo 27º, a prefeitura fica autorizada a permutar uma área junto à marginal do Tietê por um terreno situado no distrito de Anhanguera, onde a prefeitura pretende construir um terminal de ônibus.
Nada contra um terminal de ônibus em um bairro periférico, mas porque ceder para um proprietário privado uma área pública valorizada e estratégica para o desenvolvimento sustentável da cidade, onde está previsto um parque, em troca de um terreno situado a 22 quilômetros de distância?
No artigo 25º, de maneira velada, pouco compreensível para o cidadão, a lei autoriza o Executivo a promover a desestatização de uma área verde, situada na APP (Área de Proteção Permanente) do rio Tietê, onde está previsto o parque linear do córrego Água Branca.
Porque vender para um particular uma área verde em APP? Um terreno que, aliás, só tem um vizinho: a loja da Telha Norte na marginal do Tietê, cujo estacionamento é uma área totalmente impermeável.
Já no Artigo 19º, a lei autoriza a concessão para a Vai-Vai de outro terreno situado junto ao rio Tietê, onde está previsto o parque. O presidente da Câmara, vereador Milton Leite (DEM), não perdeu tempo: como interino, na folga de final de ano do prefeito, assinou decreto entregando o terreno, onde está instalado uma cooperativa de reciclagem, à escola de samba.
Finalmente, nessa festa de concessões de terrenos públicos a particulares, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou que quer prorrogar por mais 40 anos a concessão da área municipal onde está instalado o Centro de Treinamento do São Paulo Futebol Clube, que em janeiro de 2023 deveria ser devolvido à prefeitura.
A prorrogação dessa concessão contraria o artigo 49º da Lei da OUCAB, que determinou que "as áreas verdes situadas no subsetor A2 e atualmente cedidas ao São Paulo Futebol Clube e à Sociedade Esportiva Palmeiras deverão, quando devolvidas à posse do município, ser incorporadas ao parque urbano a ser criado no subsetor A1."
A prefeitura deveria retomar a área, de cerca de 50 mil m², para incorporá-lo ao parque previsto. Isso ainda pode ser feito, pois, apesar das declarações do prefeito, a OUL constatou que a renovação da concessão do CT não foi formalizada.
A Lei 16.776/2017, de autoria do ex-vereador Eduardo Tuma, que autorizou (e não determinou) a renovação da concessão ao SPFC, não pode contrariar uma lei aprovada com quórum qualificado, como é a Lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca.
Em tempos de emergência climática, em que os eventos extremos provocam inundações inusitadas, como ocorreu na Bahia e em Minas Gerais nesse mês, é uma irresponsabilidade a prefeitura abandonar a implantação de um parque em uma área sensível do ponto de vista ambiental, para ceder ou vender terrenos públicos a particulares.
Espera-se que o prefeito Ricardo Nunes, que não é um negacionista, tenha sensibilidade e responsabilidade com o futuro da cidade e não inviabilize esse parque previsto na várzea do Tietê.
Caso isso não ocorra, será necessária uma ação do Ministério Público e da Justiça para interromper esse processo e evitar que São Paulo perca áreas públicas tão estratégicas para seu desenvolvimento sustentável.
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