Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Prefeitura de SP privatiza terrenos públicos onde está previsto um parque na várzea do Tietê

Lei estabeleceu que nos terrenos municipais deveriam ser implantados um conjunto habitacional, um CEU, uma UBS e um parque

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É incalculável o prejuízo ambiental e urbano que a atual gestão municipal de São Paulo, com a autorização e apoio irrestrito da Câmara Municipal, está promovendo no bairro da Água Branca, situada na várzea do rio Tietê.

Através de leis, decretos e ações administrativas, a prefeitura está concedendo e privatizando vários terrenos municipais onde o plano urbanístico da OUCAB (Operação Urbana Consorciada Água Branca) previu a implantação de um parque, que ficará inviabilizado se essas iniciativas não forem interrompidas.

A lei 15.893/2013, que aprovou a OUCAB, estabeleceu que nos terrenos municipais dos subsetores A1 e A2 (cerca de 240 mil m²), deveriam ser implantados um conjunto habitacional destinado aos moradores removidos das favelas do Sapo e Aldeinha (que tratei na coluna de 14/11), um CEU, uma UBS e um parque que teria, depois de completo, cerca de 150 mil m², ou seja, seis vezes o parque Augusta.

Maquete do projeto básico de conjunto habitacional, na Avenida Marquês de São Vicente e Ponte Julio Mesquita
Localização do conjunto habitacional, na avenida Marquês de São Vicente e ponte Julio Mesquita - Projeto Estudio 41

O parque é importantíssimo tanto para o lazer dos paulistanos como para a drenagem urbana e prevenção de enchentes. Ele ampliaria a permeabilidade do solo em uma região muito sensível do ponto de vista ambiental e geomorfológico, situada junto ao rio Tietê, região que sofre com inundações, que deverão ser cada vez mais frequentes devido aos eventos extremos e à emergência climática.

Mas a atual gestão municipal está jogando essa proposta no lixo. Em dezembro, antes do recesso, a Câmara Municipal aprovou o substitutivo ao Projeto de Lei 756/2021, de autoria do executivo, que autorizou a concessão administrativa de uso ou privatização de uma série de áreas municipais, entre as quais três onde está prevista a implantação desse parque.

No artigo 27º, a prefeitura fica autorizada a permutar uma área junto à marginal do Tietê por um terreno situado no distrito de Anhanguera, onde a prefeitura pretende construir um terminal de ônibus.

Nada contra um terminal de ônibus em um bairro periférico, mas porque ceder para um proprietário privado uma área pública valorizada e estratégica para o desenvolvimento sustentável da cidade, onde está previsto um parque, em troca de um terreno situado a 22 quilômetros de distância?

No artigo 25º, de maneira velada, pouco compreensível para o cidadão, a lei autoriza o Executivo a promover a desestatização de uma área verde, situada na APP (Área de Proteção Permanente) do rio Tietê, onde está previsto o parque linear do córrego Água Branca.

Porque vender para um particular uma área verde em APP? Um terreno que, aliás, só tem um vizinho: a loja da Telha Norte na marginal do Tietê, cujo estacionamento é uma área totalmente impermeável.

Já no Artigo 19º, a lei autoriza a concessão para a Vai-Vai de outro terreno situado junto ao rio Tietê, onde está previsto o parque. O presidente da Câmara, vereador Milton Leite (DEM), não perdeu tempo: como interino, na folga de final de ano do prefeito, assinou decreto entregando o terreno, onde está instalado uma cooperativa de reciclagem, à escola de samba.

Finalmente, nessa festa de concessões de terrenos públicos a particulares, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) anunciou que quer prorrogar por mais 40 anos a concessão da área municipal onde está instalado o Centro de Treinamento do São Paulo Futebol Clube, que em janeiro de 2023 deveria ser devolvido à prefeitura.

A prorrogação dessa concessão contraria o artigo 49º da Lei da OUCAB, que determinou que "as áreas verdes situadas no subsetor A2 e atualmente cedidas ao São Paulo Futebol Clube e à Sociedade Esportiva Palmeiras deverão, quando devolvidas à posse do município, ser incorporadas ao parque urbano a ser criado no subsetor A1."

A prefeitura deveria retomar a área, de cerca de 50 mil m², para incorporá-lo ao parque previsto. Isso ainda pode ser feito, pois, apesar das declarações do prefeito, a OUL constatou que a renovação da concessão do CT não foi formalizada.

A Lei 16.776/2017, de autoria do ex-vereador Eduardo Tuma, que autorizou (e não determinou) a renovação da concessão ao SPFC, não pode contrariar uma lei aprovada com quórum qualificado, como é a Lei da Operação Urbana Consorciada Água Branca.

Em tempos de emergência climática, em que os eventos extremos provocam inundações inusitadas, como ocorreu na Bahia e em Minas Gerais nesse mês, é uma irresponsabilidade a prefeitura abandonar a implantação de um parque em uma área sensível do ponto de vista ambiental, para ceder ou vender terrenos públicos a particulares.

Espera-se que o prefeito Ricardo Nunes, que não é um negacionista, tenha sensibilidade e responsabilidade com o futuro da cidade e não inviabilize esse parque previsto na várzea do Tietê.

Caso isso não ocorra, será necessária uma ação do Ministério Público e da Justiça para interromper esse processo e evitar que São Paulo perca áreas públicas tão estratégicas para seu desenvolvimento sustentável.

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