Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

É possível adensar São Paulo com qualidade urbana e ambiental?

Mudanças na legislação devem incentivar prédios baixos e tornar obrigatórias fachadas ativas

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Nas últimas colunas, mostramos que São Paulo precisa garantir moradia para as 718 mil novas famílias que irão se formar até 2040, além de enfrentar um déficit habitacional de 570 mil unidades.

A crise habitacional, que afeta a população de baixa renda e se manifesta no aumento dos valores dos aluguéis, nos despejos, no crescimento da população em situação de rua e nas ocupações de terras e de edifícios ociosos, atesta a gravidade da situação e a premência de enfrentar esse problema.

Por outro lado, por razões ambientais, a mancha urbana não deve se expandir horizontalmente. Já atingiu, e superou, a linha de proteção dos mananciais, e as recomendações relacionadas com a mitigação das mudanças climáticas apontam para a necessidade de uma cidade mais compacta, para reduzir as distâncias e, em decorrência, as emissões de gás carbônico geradas pela mobilidade, que contribuem com 65% dos gases de efeito estufa na cidade.

Profusão de prédios e guindastes no bairro de Pinheiros
Obras se proliferam em Pinheiros, campeão de demolições - Eduardo Anizelli - 25.out.2021/Folhapress

Como abrigar mais pessoas e unidades habitacionais em uma área que não deve crescer para fora é o dilema que São Paulo precisa resolver. A alternativa é a cidade se adensar, mas garantindo qualidade urbanística e respeito ao patrimônio cultural e arquitetônico. Ocorre que as duas maneiras como São Paulo vem se adensando têm sido nefastas do ponto de vista urbano, paisagístico e social.

Por um lado, nos assentamentos precários (favelas, loteamentos irregulares e áreas encortiçadas), prolifera um adensamento que deteriora as já péssimas condições de habitabilidade. Embora, em geral, esses assentamentos já contem com infraestrutura (água, luz, iluminação pública e pavimentação), a forte demanda por moradia gerou um superadensamento que produz outro tipo de precariedade.

Premidos pela urgência de alojar parentes e/ou obter uma renda adicional, os moradores ocupam 100% dos lotes, suprimindo os espaços livres, e construindo laje sobre laje, para locação ou venda, em uma expansão vertical que pode alcançar até seis pavimentos. São moradias insalubres, sem iluminação e ventilação natural, com adensamento excessivo, sem projeto, nem assistência técnica e segurança estrutural.

Na outra ponta da cidade, nos bairros de alta e média renda, melhor servidos de infraestrutura e serviços, prolifera (onde o zoneamento permite) um processo de verticalização que, a partir da Lei de Zoneamento de 1972 até o Plano Diretor de 2014, não significou um efetivo adensamento populacional.

Pelo contrário, entre 1980 e 2000, todo o quadrante sudoeste se verticalizou, mas perdeu população e se desadensou. Nesse período, as quatro subprefeituras que mais receberam prédios na cidade (Sé, Pinheiros, Lapa e Vila Mariana) perderam 18% da população.

Isso ocorreu porque os apartamentos dos novos edifícios eram de grande dimensão, as famílias reduziram seu tamanho e ocorreu uma significativa mudança de uso nas casas, que passou de residencial para comercial e de serviços.

Ademais, embora esta região concentre, há décadas, os lançamentos verticais do mercado imobiliário, nelas também coexistem vastos territórios classificados como "Zonas Exclusivamente Residenciais" (ZER, antigas Z1), onde os lotes, de grande dimensão, só podem ser ocupados por residências unifamiliares, de baixíssima densidade.

Desta forma, esse padrão de verticalização não gerou adensamento populacional e, ainda, provocou um impacto negativo nesses bairros, com edifícios altos dispersos em meio ao casario, muros emparedando as ruas e pavimentos térreos inúteis, fechados para a cidade. Embora existam edifícios com bons projetos, predominou uma arquitetura pobre, padronizada e sem relação com o espaço público.

Como esse padrão de edifícios previa um grande número de vagas por unidade habitacional, no âmbito de uma progressiva motorização da classe média, essa transformação também gerou um "adensamento" indesejável no número de automóveis nesses bairros, gerando grandes congestionamentos.

O Plano Diretor de 2014 buscou alterar esse padrão, concentrando a verticalização sem limite de altura nos eixos de transporte coletivo, com área média máxima dos apartamentos de 80 metros quadrados e limite de apenas uma vaga por unidade. Dessa forma, buscou-se garantir adensamento populacional e racionalização no uso do carro.

Para garantir melhor relação entre o edifício e o espaço público, estabeleceu a obrigatoriedade de calçadas mais largas (de cinco metros nas faixas dos corredores de ônibus e três metros nos perímetros das estações de metrô) e deu grande estímulo para a criação de fachadas ativas (abertura dos edifícios para as calçadas, com comércio e serviços) e para fruição pública no térreo (passagens públicas no interior do lote).

Essas regras são capazes de garantir o necessário adensamento e, ao mesmo tempo, qualidade urbanística?

Embora seja prematuro tirar conclusões definitivas, sobretudo porque ainda são poucos os edifícios que se utilizaram efetivamente dessas normas (entre 2016 e 2019, essas regras foram suspensas), é possível antecipar algumas propostas para aperfeiçoar a legislação e superar problemas já identificados.

Apesar dos estímulos, verifica-se uma resistência dos empreendedores em incorporar as fachadas ativas nos edifícios. É necessário que o comércio de rua, muitas vezes suprimido no processo de verticalização, retorne a esses locais após a transformação. Eles são "os olhos da cidade", como Jane Jacobs os denominou, indispensáveis para a vida urbana. Tornar as fachadas ativas uma obrigação nos eixos de transporte coletivo ajudará a ampliar a oferta de espaços comerciais, reduzindo os aluguéis.

Por outro lado, é necessário que a legislação permita novas tipologias de edifícios, que garantam adensamento sem gerar uma verticalização excessiva, que gera impactos negativos na vizinhança.

É o caso, por exemplo, dos prédios baixos, de quatro ou cinco pavimentos, que, sobretudo nos miolos dos bairros, podem garantir um bom adensamento com uma volumetria amigável com o entorno das casas. Paris e Barcelona, entre outras cidades, alcançam altas densidades com esse padrão de edifícios. Hoje eles são inviáveis em São Paulo.

A experiência urbanística mostra que é possível adensar sem adotar uma verticalização sem limites. Por outro lado, com bons projetos e adequada inserção urbana, a verticalização pode gerar adensamento e qualidade urbanística, sobretudo se for articulada com outras estratégias, como a de mobilidade, onde o estímulo ao transporte coletivo e ao uso racional do automóvel é essencial.

Mais difícil é garantir a desejável mistura de classes nos bairros bem localizados, evitando-se a segregação que, assim como o enfrentamento do excessivo adensamento nos assentamentos precários, será tema das próximas colunas.

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