Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki
Descrição de chapéu Mobilidade

Onde adensar em SP respeitando as áreas de interesse cultural, urbano, afetivo e ambiental

São Paulo tem baixa densidade demográfica, cerca de 110 habitantes por hectare na área urbanizada, e ela precisa crescer

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Na coluna passada, iniciei uma série de reflexões sobre temas relevantes para a revisão do Plano Diretor Estratégico de São Paulo (PDE), com a pergunta: "Por que, onde, como e para quem São Paulo precisa se adensar?".

Como mostrei naquela coluna, para abrigar as 770 mil novas famílias que necessitarão de moradia até 2030, a Região Metropolitana de São Paulo precisa se adensar, sem expandir sua área urbanizada, cujo perímetro não deve crescer por razões ambientais e de mobilidade, fortemente relacionadas com a política de mitigação das mudanças climáticas.

Vista aérea da piscina no ultimo andar do prédio do SESC 24 de Maio no centro da cidade de São Paulo, com muitos prédios
Vista aérea da piscina no ultimo andar do prédio do SESC 24 de Maio no centro da cidade de São Paulo - 13.jan.2021 - Eduardo Knapp/Folhapress

Essa situação cria um verdadeiro quebra-cabeças urbano para responder a questão: onde podemos alocar esse enorme volume de unidades habitacionais?

A reflexão precisaria ser feita para toda a RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), mas isso está inviabilizado pela falta de planejamento metropolitano e de informações para os 39 municípios da região, problema que se agravou com a extinção da Empresa de Planejamento Metropolitano (Emplasa) pelo governo João Doria (PSDB).

Por isso, vamos limitar o exercício para o município de São Paulo, onde, aliás dever-se-ia concentrar a maior parte do adensamento populacional metropolitano por ser onde se localiza a maioria dos empregos da região e onde existe a melhor rede de serviços e infraestrutura urbana.

Em comparação com outras metrópoles mundiais, São Paulo tem uma baixa densidade demográfica, que alcança cerca de 110 habitantes por hectare na área urbanizada. Essa densidade precisa crescer e o PDE estabeleceu uma estratégia e as áreas prioritárias para esse adensamento, a saber:

  1. As áreas envoltórias dos eixos de transporte coletivos de massa (54 km2 ou 80 km2, incluindo os eixos previstos com as novas linhas de metrô)
  2. A Macroárea de Estruturação Metropolitana, ou seja, antigas áreas industriais na orla ferroviária e o centro histórico, com uma área de 227 km2
  3. As Zonas Especiais de Interesse Social bem localizadas (ZEIS 3 e 5), com uma área de 13 km2
  4. Os terrenos ociosos ou subutilizados, incluindo estacionamentos e edifícios abandonados

A estratégia é correta e precisa ser mantida na revisão do PDE. Essas áreas, que somam 320 km2, são mais do que suficientes para gerar o adensamento necessário.

A proposta combina o adensamento com outros objetivos estratégicos do PDE, como estimular o transporte coletivo, reduzir o uso do automóvel, combater a especulação com terrenos ociosos e reestruturar áreas obsoletas.

Mas ajustes no PDE, na Lei de Zoneamento e empenho da prefeitura na implementação são indispensáveis para garantir esses objetivos e, sobretudo, a proteção de áreas de interesse ambiental, cultural, urbano e afetivo.

Nos eixos de transporte coletivo, a restrição às garagens deve ser mantida ou até ampliada. A área média dos apartamentos (fixada em 80m2) precisa ser respeitada, para garantir o adensamento populacional, mas a revisão deve criar limites mínimos e máximos no tamanho dos apartamentos para evitar distorções, como o grande número de studios de área minúscula combinado com apartamentos de grande dimensão, que distorcem os objetivos dos eixos.

Ressalto que a maioria dos edifícios que foram ou estão sendo construídos nos eixos não seguem, fielmente, o proposto no PDE. Isso porque, muitos projetos entraram na prefeitura antes da aprovação do PDE, utilizando a legislação anterior e o direito de protocolo e, ainda, porque a Lei de Zoneamento, equivocadamente, criou uma "janela" de três anos (2016 a 2019), permitindo apartamentos maiores e mais vagas de garagens.

Outro ajuste necessário é implementar o artigo 77º do PDE que permitiu que os perímetros dos eixos podiam ser revistos na Lei de Zoneamento para excluir quadras ou imóveis considerados de interesse de interesse cultural, ambiental e urbano.

Quando a Lei de Zoneamento foi elaborada, após a aprovação do PDE, as Zepec e Zepam que já estavam regulamentadas ficaram protegidas, mas nem a prefeitura nem as associações de moradores se preocuparam em identificar os imóveis que se enquadrariam no artigo 77º, o que só poderia ter sido feito com uma leitura atenta do território.

Em decorrência, vilas que deveriam ser preservadas, como a João Migliari, no Tatuapé, foram quase inteiramente destruídas e outras, como a Vila das Jabuticabeiras, na Vila Mariana, e o quadrilátero do Sol, em Pinheiros, estão ameaçadas.

Na revisão do PDE, o debate sobre a proteção das vilas e outros lugares de interesse urbanístico deve ganhar centralidade. O Movimento Pró-Pinheiros elaborou um levantamento das vilas do bairro, assim como sugestões legislativas, que podem contribuir para essa discussão.

Existem cerca de 800 vilas em São Paulo, conjuntos característicos da sua urbanização, que tem uma densidade populacional média, pois ocupam lotes pequenos, e são muito apreciados pela população. Muitas merecem ser protegidas após uma análise aprofundada.

A combinação de área de verticalização com espaços de respiro, seja de interesse urbano ou ambiental, é necessário para uma cidade que precisa se adensar, garantindo qualidade de vida.

Outras áreas de adensamento são as antigas áreas industriais, como o distrito da Barra Funda, que tem a menor densidade populacional da cidade, com 25 habitantes por hectare (Censo de 2010), quase nove vezes menos que o vizinho distrito de Santa Cecília (densidade de 214 hab./ha). Se a Barra Funda, com apenas 5,6km2, tivesse a densidade da Santa Cecília, ela teria um acréscimo populacional de cerca de cem mil pessoas, em uma região muito bem localizada.

Para alcançar esse resultado, o PDE não precisa ser alterado, mas a prefeitura precisa se empenhar na implementação do plano urbanístico da Operação Urbana, o que não tem sido feito, como se vê no atraso de oito anos na construção de um conjunto habitacional para os moradores das favelas removidas da região, apesar de existirem recursos e terra reservados para esse fim.

Acelerar a notificação dos terrenos e glebas vazias ou subutilizadas bem localizadas e servidas de infraestrutura, é outra ação essencial para promover sua ocupação e aumentar a densidade da cidade.

O PDE regulamentou exemplarmente esse dispositivo, mas a morosidade da prefeitura em aplicá-lo é injustificável. Até 2020, apenas 1.746 imóveis foram notificados, 80% dos quais apenas nos anos de 2015 e 2016.

Em uma próxima coluna, vou tratar do adensamento que poderia ser obtido nas ZEIS. Esse tema é essencial no debate sobre para quem devem se destinados os empreendimentos que promovem o adensamento da cidade.

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