Nabil Bonduki

Professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, foi relator do Plano Diretor e Secretário de Cultura de São Paulo.

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Nabil Bonduki

Por que São Paulo se verticaliza sem produzir habitação para os mais pobres?

Sem incentivo do poder público, mercado não produz moradia para essa faixa de renda

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Na coluna de 1º de maio, mostrei as enormes necessidades habitacionais da região metropolitana de São Paulo, que somam cerca de 1,3 milhão de unidades, sendo 570 mil referentes ao déficit acumulado e 730 mil da demanda futura, até 2040, constituída por novas famílias que irão se formar. A maior parte dessas necessidades habitacionais se concentram na população de baixa renda.

Na última coluna, defendi a estratégia do PDE (Plano Diretor Estratégico) de 2014 de concentrar esse adensamento, prioritariamente, nos eixos de transporte coletivo de massa, na orla ferroviária onde se situam antigas áreas industriais e nos terrenos e edifícios vazios ou subutilizados inseridos na área urbanizada, evitando a expansão horizontal da mancha urbana.

Faltou falar das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), destinadas à produção de habitação de interesse social (HIS), onde também se prevê adensamento. A questão da moradia popular é um dos problemas estruturais da cidade (e do país) que, lamentavelmente, tem sido negligenciado.

Nas Zeis são admitidos coeficientes de aproveitamento (relação entre área construída e área do terreno) igual a quatro, sem limite para a altura dos edifícios —as mesmas regras dos eixos de transporte coletivo. Com unidades habitacionais de pequena dimensão, o adensamento populacional é elevado.

As Zeis são uma reserva de terras para a produção de HIS, retirando-as da concorrência com outros usos e produtos do mercado imobiliário. Conceitualmente, elas foram concebidas como uma estratégia para permitir a aquisição de terrenos bem localizados a baixo custo.

Nas Zeis 2 e 3, 60% das moradias deve ser destinada para HIS 1 (até três salários mínimos), 20% para HIS 2 (de 3 a 6 SM) e 20% para habitação de mercado popular (HMP, de 6 a 10 SM) e outros usos. Nas Zeis 5, 40% deve ser destinado para HIS 1 e 2, ficando o restante para HMP e outros usos.

No PDE 2014, o número de Zeis para a produção de unidades novas dobrou e foram demarcados 8,6 milhões de m² de Zeis 3, 14,9 milhões de m² de Zeis 2 e as 6,3 milhões de m² de Zeis 5. No total, foram reservados quase 30 milhões de m² de terrenos para a produção de HIS.

Para estimular a produção de HIS, uma série de facilidades foi prevista, como isenção da outorga onerosa, benefícios fiscais, flexibilidade das normas de uso e ocupação do solo etc., vantagens que podem ser usufruídas tanto nas Zeis como em empreendimentos de habitação de interesse social (EHIS) fora das Zeis.

A estratégia foi bem-sucedida no que se refere à produção de moradia pelo mercado, com recursos do FGTS, para o patamar superior da HIS 2 e HPM, (de 5 a 10 SM), mas falhou porque a prefeitura não implementou empreendimentos em larga escala para os mais pobres. Produziu-se muito para a baixa e média classe média, com adensamento e verticalização, mas a maior parte da demanda de baixa renda ficou de fora.

Quando optamos, no PDE de 2014, por destinar 60% das unidades habitacionais em Zeis 3 (as melhor localizadas) para a faixa de até 3 SM, atende-se uma demanda do movimento de moradia, mas estava claro que para produzir moradias para essa faixa de renda seria indispensável a participação e o subsídio do poder público. O mercado não atua nessa faixa.

Em decorrência, o PDE vinculou 30% dos recursos do Fundurb (fundo que recebe a receita da outorga onerosa) para a compra de imóveis em Zeis 3, destinados para HIS em áreas bem localizadas. Com a terra garantida, a produção de HIS 1 ficaria viabilizada, através de programas habitacionais subsidiados, como o antigo Minha Casa Minha Vida.

A prefeitura, entretanto, não levou adiante essa estratégia. Embora em 2015 e 2016 (na gestão Haddad), os recursos destinados à habitação tenham alcançado cerca de 40% do Fundurb, se for considerado todo o período-pós PDE (2014 a 2021), apenas 17% da arrecadação do Fundurb foi utilizada em projetos habitacionais.

O Diagnóstico de Aplicação do PDE, elaborado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Licenciamento mostra que, efetivamente, a produção habitacional cresceu bastante no período, mas a faixa de renda prioritária, onde se concentra o déficit, foi pouco contemplada.

Entre 2014 a 2021, foram licenciadas 278 mil unidades habitacionais de interesse social, sendo 219 mil de HIS 2 e HMP (78,6% do total) e apenas 59 mil de HIS 1 (21,4%).

Ademais, a prefeitura deixou de fiscalizar o cumprimento das faixas de renda previstas na lei, havendo fortes indícios que os empreendedores privados vendem unidades habitacionais que contam com significativos benefícios fiscais e normativos para famílias com renda superior ao que deveria ser atendido, em uma burla à legislação.

Produzir moradias para essa faixa intermediária, entre 5 e 10 SM, é necessário, pois ela representa uma parcela significativa da demanda futura (cerca de 35%). Isso vem sendo feito pelo mercado, com programas de financiamento público federal (FGTS) e facilidades oferecidas pela legislação municipal, gerando significativo aumento da verticalização.

Mas, para os mais pobres, muito pouco tem sido feito, que provoca um forte adensamento nas favelas e assentamentos precários, aumento de cortiços em bairros periféricos e crescimento da população em situação de rua.

O Plano Diretor criou as condições necessárias para a produção habitacional, como se vê na significativa produção privada. O que faltam são iniciativas públicas para atender a baixa renda.

A legislação urbanística é uma condição necessária para impulsionar a produção de habitação, mas é insuficiente. Somente com projetos e investimento do poder público o problema pode ser enfrentado com a prioridade necessária.

O caso das Zeis no morro do Querosene

A criação de Zeis em regiões bem localizadas é desejável, para aproximar a moradia dos empregos e promover mistura de usos e classes sociais no território. Mas a demarcação de Zeis precisa ser planejada cuidadosamente para não gerar regras de ocupação do solo díspares com o entorno.

Por erro no mapa de Zeis do PDE, não corrigido na Lei de Uso e Ocupação do Solo, foi demarcada uma pequena Zeis no meio do casario do morro do Querosene, onde gabarito é limitado a dez metros de altura.

Como nas Zeis o gabarito é ilimitado (para garantir melhor aproveitamento dos terrenos), está sendo aprovada na área o projeto de um edifício de mais de 20 pavimentos, o que criará um indesejável e irreversível impacto na paisagem do bairro.

Esse projeto precisa ser revisto para compatibilizar sua altura com o entorno e a legislação precisa ser alterada para se estabelecer que o gabarito das Zeis pontuais como essa precisa seguir as regras urbanísticas do entorno.

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