Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

As guerras santas da macroeconomia

Polemistas disfarçados de analistas quase sempre assumem grau de certeza sem base na realidade

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Fachada do Banco Central, em Brasília
Fachada do Banco Central, em Brasília - Fátima Meira - 7.jul.17/Futura Press/Folhapress

O debate sobre política econômica é frequentemente dominado por extremos, sobretudo na era de redes sociais.

Polemistas disfarçados de analistas quase sempre assumem um grau de certeza e virulência que simplesmente não tem base na realidade. Essa radicalização é geralmente mais forte na macroeconomia —política monetária, fiscal e cambial—, em que argumentos tendem a adquirir um tom quase religioso.

Para não economistas, é difícil entender tamanha belicosidade, pois economia deveria ser uma área técnica de estudos, na qual seria possível testar hipóteses ao longo do tempo.

Na prática é exatamente isso que acontece no dia a dia da pesquisa aplicada, mas a retórica do debate público, no Brasil e no mundo, continua dominada por duas grandes escolas ou “igrejas” de pensamento acadêmico.

Do lado ortodoxo, os membros da “Igreja da Microeconomia dos Últimos Dias” tendem a defender a austeridade como solução para todos os problemas, independentemente das condições do país.

Se o nível de atividade está alto, deve-se adotar políticas restritivas para controlar a inflação, preferencialmente um corte de gastos públicos para evitar um aumento excessivo da taxa de juro. Se o nível de atividade está baixo, deve-se adotar também uma política fiscal restritiva, pois a redução do tamanho do Estado aumenta a confiança do setor privado e permite ao Banco Central reduzir ainda mais o juro.

Não importa a condição do paciente, o remédio é sempre o mesmo: austeridade fiscal ontem, hoje e para sempre.

Do lado heterodoxo, os devotos da “Igreja da Ressureição Macroeconômica em Keynes” (da qual Keynes nunca foi membro) tendem a defender expansão fiscal como solução para todo e qualquer problema, sem atentar, também, para as condições iniciais da economia.

Se o nível de atividade está baixo, o governo deve adotar uma política expansionista para aumentar o emprego e a renda, pois isso não cria risco para o controle da inflação. Se o nível de atividade está alto, o governo deve adotar ou manter uma política expansionista, pois só assim haverá mais investimentos e aumento da produtividade, que, por sua vez, reduzem a inflação no longo prazo.

Novamente temos o mesmo remédio independentemente da condição do paciente: expansão fiscal ontem, hoje e para sempre.

Cada igreja baseia sua fé em alguns milagres comprovados, pois a história econômica registra episódios de “contração fiscal expansionista”, como defendem ortodoxos, e de “expansão fiscal não inflacionária”, como argumentam heterodoxos. Apesar de possíveis, esses casos não são frequentes.

Na prática predomina o meio-termo e, por isso, a política econômica é sempre mais pragmática do que o debate entre economistas.

A história econômica pós-Segunda Guerra demonstra que o governo deve adotar medidas de redução da atividade econômica quando a economia está superaquecida e vice-versa. Em outras palavras, a política econômica deve ser anticíclica, com uma combinação de ações fiscais e monetárias que estabilizem inflação e emprego.

Apesar da retórica oficial de ajuste, o governo brasileiro fez exatamente isso em 2016-17, com elevação do déficit primário, injeção de recursos parafiscais na economia e redução, ainda que tardia, da Selic. Tudo isso sem comprometer o controle da inflação, pois estávamos e ainda estamos operando muito abaixo do nosso potencial produtivo.

Como disse o próprio Keynes: a expansão, não a recessão, é o momento certo para austeridade. Mas não conte isso às duas igrejas, pois você será excomungado.

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