Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Coronavírus contagia bom senso dos economistas ortodoxos

Cinco fases da perda de convicções vai da negação à aceitação, passando pela depressão

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O choque do Covid-19 fez até nossos ortodoxos reverem suas posições. Ainda não são todos, mas o contágio de bom senso está aumentando.

A primeira reação ortodoxa ao choque foi “negação”, dizer que nada mudou e a estratégia do governo deveria continuar focada em ações de longo prazo –“reformas, reformas, reformas”– sem qualquer medida de curto prazo. Agora que o tamanho do problema ficou claro, ninguém mais insiste nesta loucura.

Na segunda o governo passou à “raiva”, reafirmando a importância de “reformas estruturantes”, mas admitindo à contragosto que são necessárias ações de curto prazo, restritas à antecipação de renda ao setor privado, do segundo para o primeiro semestre, sem alterar a política fiscal do ano como um todo.

A raiva é melhor do que a negação, mas ainda insuficiente. Analistas “nem de direita nem de esquerda” já tinham se movido para a “barganha”, defendendo redução da meta de resultado fiscal, para que o governo gaste mais agora, desde que mantenha o teto de gasto no longo prazo. O governo fez o mesmo ontem, decretando calamidade pública.

Ministro da Economia, Paulo Guedes, usa máscara durante anúncio de medidas para deter crise econômica provocada pela epidemia do coronavírus
Ministro da Economia, Paulo Guedes, anuncia medidas para conter efeitos econômicos do coronavírus - Pedro Ladeira/Folhapress

A lógica da “barganha” é que crise temporária exige ações temporárias, feitas dentro do teto de gasto, que admite despesa extra em situações excepcionais como agora. A lógica parece correta, mas está errada por dois motivos.

Primeiro, o atual teto de gasto já vinha diminuindo a imunidade da economia a choques antes do Covid-19, via redução do investimento público e de gastos com saúde. Sua revisão era necessária antes da crise e continuará necessária após a crise.

Segundo, medidas “temporárias” podem incluir mais investimento público por alguns anos (o PAC de Lula) ou até décadas (o Highway Act de Eisenhower nos EUA). No atual patamar de taxa de juro real, faz sentido programa temporário de aumento de investimento, completando as 4.669 obras paradas do PAC, várias delas na área de saúde. O Senador Jaques Wagner já deu a saída, via “PEC do investimento positivo”, que comentei neste espaço em outubro.

Nossos ortodoxos acabarão aceitando isso, mas com sofrimento, pois depois da “barganha” vem a “depressão”, quando ficará claro que o teto Temer foi medida oportunista e irresponsável, impossível de ser sustentada em tempos normais, que dirá tempos de crise.

Sugiro preparar a saída organizada da sandice do time Temer, que é basicamente o mesmo de Bolsonaro, pois do contrário a saída virá de modo desorganizado pelo Congresso, vide ampliação do BPC sem fonte de recurso correspondente.

E depois da “depressão” nossos ortodoxos passarão à “aceitação”, reconhecendo que há formas racionais de controlar o gasto público sem expor a sociedade à riscos desnecessários.

É possível recuperar a arrecadação do governo com reforma tributária gradual e progressiva, onde os mais ricos pagam mais, e usar os recursos para preservar programas essenciais em saúde, infraestrutura, educação e outras áreas que beneficiam as gerações atual e futura.

Mas não temos tempo para esperar que nossos ortodoxos superem a perda de seu bezerro de ouro. A crise pode sobrecarregar o SUS, causando milhares de mortes por falta de capacidade para atendimento adequado, como indica a situação na Itália.

E fora do SUS, milhões de trabalhadores por conta própria também precisam de ajuda, em nova modalidade de proteção social, diante da queda abrupta de sua renda devido ao Covid-19.

Há várias soluções possíveis, nenhuma delas mantendo o atual formato de teto de gasto, que terá que ser furado, também, em 2021. Melhor já ir se preparando para isso.

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