Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Retórica da reação no Brasil de 2020

A maior ameaça hoje é sacrificar saúde, educação e outros programas sociais

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O debate sobre mudar ou não o teto Temer de gasto me lembrou a análise do grande economista Albert Hirschman sobre a “retórica da reação”, as três teses ou argumentos mais utilizados por conservadores contra progressistas. Arrisco um resumo adaptado à nossa realidade.

A primeira tese é a “perversidade”: ao mudar o teto de gasto para liberar investimento e programas sociais, os esquerdistas utópicos acabarão prejudicando as pessoas que eles querem proteger, pois haverá inflação, recessão e crise.

Já disse e repito que esse risco realmente existe, mas ele pode ser diminuído ou até eliminado com a criação de nova regra fiscal crível que evite desperdício com gastos perversos. Qual regra? Orçamento para investimento, com meta própria, garantia de preservação do gasto per capita com educação e saúde e teto específico para despesa de pessoal, por Poder, e contenção de altos salários.

A segunda tese é a “futilidade”: liberar investimento do teto não vai ter efeito nenhum, pois a ingenuidade juvenil da heterodoxia não sabe que investimento leva tempo para começar e, no Brasil, talvez nem comece devido a problemas técnicos.

Já respondi a essa crítica vária vezes dizendo que não devemos confundir defasagem com ineficácia, tampouco nos resignar e deixar de investir.

Há casos de fracasso e sucesso em nossa história de investimento público. Podemos aprender com os dois e fazer melhor, sem o derrotismo usual daqueles que acham que problema do Brasil é o brasileiro.

A última tese é a “ameaça” e ganhou força nos últimos dias. O argumento é que, ao tentar mudar uma coisa, mesmo com a melhor das intenções, esses petistas irresponsáveis podem criar o inferno na terra, gerar problemas em várias outras áreas e, com isso, derrubar a ordem vigente.

A tese da ameaça não é nova. Ela foi a lógica usada por conservadores contra a independência de ex-colônias e a abolição da escravidão no passado. Hoje ela é utilizada por alguns farialimers para prever o fim da civilização ocidental —que, na Faria Lima, significa Bovespa em 80 mil pontos e dólar a R$ 6,5— se alterarmos o princípio sagrado que Deus (ou o Capiroto) sussurrou para Temer em uma noite de insônia no Jaburu. Seria engraçado se não fosse trágico.

Em 2015, falou-se a mesma coisa sobre o Orçamento com déficit. Houve déficit. O déficit ajudou a estabilizar a economia na virada de 2016 para 2017 e temos déficit até hoje.

Sim, precisamos reduzir o déficit e ter superávit, mas a própria evolução da economia brasileira desde 2016 deveria amenizar o terrorismo fiscal daqueles que só têm uma resposta para todo e qualquer problema (também conhecidos como ortodoxos).

A maior ameaça ao Brasil hoje é sacrificar saúde, educação e outros programas sociais cruciais para o bem-estar da população em um momento no qual não sabemos como sairemos da recessão. A maior ameaça é tirar o piso da renda de milhões de pessoas, lançando desempregados e informais na pobreza com base na aposta de que a fada da confiança, esperada desde 2017, finalmente chegará para elevar o “PIB privado” em 2021.

Confiança é importante e crucial para o sucesso da política econômica, mas alguns colegas deveriam ser mais parcimoniosos ao defender que se quebre o piso de proteção social da população mais vulnerável do Brasil.

E, sobre o momento de discutir mudança do teto Temer, confesso que tenho dificuldade em entender alguns colegas que acham ruim discutir Orçamento quando estamos elaborando o Orçamento. Foi essa genialidade que pariu o absurdo do teto Temer.

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