Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Pico e precipício fiscal

A estagnação de 2017-19 já mostrou o risco de colocar todas as fichas no PIB privado

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A semana foi animada na economia. Tivemos o Ploa (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2021, resultado do PIB no segundo trimestre e do anúncio de reforma administrativa. Comentarei o Ploa 2021 nesta coluna, pois, segundo o governo, teremos um pico fiscal em 2020 e um precipício fiscal em 2021.

Especificamente, o gasto primário da União foi de 19,6% do PIB em 2019 (descontando o pagamento à Petrobras pelo acerto da cessão onerosa de petróleo). Para este ano, no dia 31 de agosto a previsão oficial era uma despesa de 27,6% do PIB.

Porém, no dia seguinte, o governo anunciou mais cinco meses de auxílio emergencial, com corte de 50% no valor do benefício. Esse gasto adicional pode elevar a despesa primária de 2020 para 30% do PIB, tornando o Brasil um dos países com maior expansão fiscal em resposta à Covid-19.

Apesar do discurso em contrário, o governo Bolsonaro (com empurrão do Congresso) adotou forte política keynesiana em 2020, e isso ajudou a diminuir o impacto econômico da pandemia. Para 2021, o plano do governo é voltar ao “liquidacionismo” de inspiração austríaca, com retirada de todos os estímulos fiscais e corte da despesa primária para 19,8% do PIB.

Caso o cenário do governo se confirme, iremos de Keynes a Hayek em 12 meses, com redução do gasto primário em aproximadamente dez pontos do PIB.

Parte desse ajuste é natural, pois alguns programas, como o auxílio emergencial, não podem ser mantidos nos patamares atuais sem criação de fonte permanente de financiamento, o que leva tempo.

Outra parte da redução da despesa em proporção do PIB virá da recuperação do denominador, isto é, do crescimento da atividade econômica após a economia atingir o fundo do poço no segundo trimestre. Esse “quique estatístico” é normal após uma parada súbita e está acontecendo no mundo todo.

Do ponto de vista mais estrutural, a principal questão para 2021 não é se devemos reduzir o gasto primário. Devemos. A principal questão é quão rapidamente e onde devemos fazer isso.

As avaliações preliminares do Ploa 2021 indicam redução perigosa do gasto real com saúde por habitante. No mesmo sentido, haverá nova redução do gasto real por estudante, com risco de paralisação e sucateamento de universidades e escolas técnicas, fruto do obscurantismo que se apropriou do Ministério da Educação.

A proposta fiscal para 2021 também indica holocausto da ciência tecnologia (C&T), provavelmente com o menor valor em proporção do PIB dos últimos 15 anos. E, no caso do investimento, o orçamento proposto para 2021 parece insuficiente para preservar a infraestrutura existente.

Poderia ser diferente? Sim, poderíamos reduzir a despesa em proporção do PIB sem diminuir gasto de saúde por habitante em momento de grande incerteza sobre a evolução da pandemia.

Também deveríamos evitar cortar a educação da geração futura sob o pretexto de preservar a geração futura. O orçamento de C&T poderia ser mantido no nível real de 2020, enquanto o investimento deveria subir para ao menos 1% do PIB.

No caso do auxílio emergencial, o governo aposta que, a partir de 1º de janeiro, as pessoas hoje inativas encontrarão emprego privado e, portanto, não precisarão mais de transferência de renda. Pode acontecer? Pode. Em economia, tudo é possível, mas nem tudo é provável.

A estagnação de 2017-19 já mostrou o risco de colocar todas as fichas da política econômica no PIB privado, mas nossa equipe econômica resolveu dobrar a aposta, com a maior parte do risco sendo bancada pela renda dos mais pobres.

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