Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Atual teto de gasto já caiu na prática, mas falta enterrar o defunto

Sugiro que governo, Congresso e TCU decidam logo narrativa orçamentária de 2021; economia precisa urgentemente de medidas de apoio fiscal

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Vivemos um momento surreal de política econômica: enquanto a sociedade luta contra a segunda onda da pandemia e o país ameaça entrar em recessão técnica, a principal discussão em Brasília é furar o
teto de gasto sem admitir isso.

Os leitores desta coluna sabem que aponto problemas e inadequações na regra fiscal criada por Temer, para seus sucessores, há algum tempo.

Virei colunista da Folha justamente por um texto, no início de 2017, dizendo que a consolidação fiscal prematura daquele ano iria dar errado, que havia risco de abortar o crescimento da economia e não reequilibrar o Orçamento, como previa o governo. A realidade confirmou meu temor.

A economia brasileira cresceu, em média, 1,4% em 2017-19, ante projeções de 2,5% por parte do governo Temer e sua torcida na Faria Lima. A consolidação fiscal deu ruim, e continuamos com o mesmo problema orçamentário.

Porém, como em 2017 o país estava iludido pelo “É só tirar a Dilma”, meu texto gerou pesadas críticas por parte de um apoiador do time Temer. Ao respondê-las, fui convidado a escrever neste espaço. O autor das críticas já deixou a Folha.

Relembro isso porque, como Sísifo, volto ao tema fiscal para chamar as coisas pelo nome: o atual teto de gasto já caiu na prática, mas falta enterrar o defunto. Ilustro com dois exemplos.

Primeiro, nos últimos dias um dos criadores do teto Temer veio a público dizer que não há problema com a regra, pois o Congresso pode extrapolar o limite de despesa via crédito extraordinário por motivo imprevisível, a segunda onda da pandemia.

Traduzindo do “orçamentês”, o teto Temer seria bom porque admite grandes furos, desde que se chame de imprevisível algo que vários médicos e economistas apontam desde o fim de 2020. Ironicamente, quem propõe isso nunca assinou nada quando no governo. É fácil ser valente com o CPF dos outros.

Segundo, outro pai do Frankenstein temerista disse recentemente que estará tudo bem... no ano que vem! A dificuldade orçamentária seria só neste ano, pois, como a inflação subiu bem mais do que o esperado, a despesa de 2022 será maior do que se previa, e isso permitirá ao governo gastar mais em ano eleitoral.

O raciocínio está certo do ponto de vista orçamentário, mas repare a contradição. O teto Temer foi criado sob a justificativa de que, sem âncora fiscal, a inflação voltaria. Agora a volta da inflação é usada como argumento para defender a regra fiscal que deveria impedir exatamente isso.

O malabarismo retórico fica mais claro quando lembramos que o time Temer dizia que seu teto de gasto explicitaria conflitos e promoveria soluções. Agora, o argumento mudou para justificativas de furos e não soluções.

O fato é que a regra fiscal precisa mudar, mas esse governo já acabou para reformas estruturais. Quem ganhar a eleição de 2022 enviará nova regra fiscal ao Congresso, e isso precisa ser debatido de modo
transparente na campanha.

E sobre 2021. Há três semanas escrevi que “o governo fará uma de três coisas: mudará a meta de resultado primário, enviará outra PEC fiscal ao Congresso ou decretará estado de calamidade”.

Nossa equipe econômica já cogitou retomar o estado de calamidade e, nesta semana, ensaiou “PEC fura-teto para manter teto” (sic). O próximo balão de ensaio é mudar a meta de resultado primário para fazer crédito previsível dizendo que era imprevisível.

Sugiro que governo, Congresso e TCU decidam logo a narrativa orçamentária de 2021, pois a economia precisa urgentemente de medidas de apoio fiscal.

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