Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.

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Nelson Barbosa

Esperando o xerife de blockchain e DeFi

Provavelmente teremos alguma turbulência nas chamadas finanças descentralizadas

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O choque Putin e a elevação das taxas de juro nos EUA estão promovendo perdas em vários ativos financeiros, incluindo criptomoedas.

Não acho que a correção em andamento acabará com as "criptofinanças", porque a tecnologia envolvida no mercado de bitcoin e similares vai além da criação de moedas privadas.

Especificamente, do lado computacional, as criptofinanças se baseiam no processamento em bloco contínuo (blockchain), onde toda transação é registrada em um livro-razão (ledger) eletrônico, disponível a todos os usuários, usando técnicas de criptografia, de modo a impedir que alguém altere a história do sistema.

Logo do bitcoin em caixa eletrônico de New Jersey - Mike Segar - 19.mai.2021/Reuters

A tecnologia blockchain tem várias outras aplicações além de criar e transacionar criptomoedas (Bitcoin, Ether, Tether... eu criaria o "Friedman" e o "Maynard", mas isso é tema para outra coluna).

Também é possível usar o sistema ou ambiente de processamento blockchain para criar contratos inteligentes (smart contracts) em criptomoedas, moeda estatal ou qualquer outra unidade de conta.

E o que são smart contracts? São compromissos financeiros criados sob demanda dos usuários e processados diretamente no sistema de blockchain, ou seja, sem necessidade de intermediação por instituições financeiras ou pelo governo.

Os defensores de criptofinanças argumentam que o blockchain permite finanças descentralizadas (DeFi), cortando custos de intermediação financeira como aconteceu no varejo (Amazon), hotelaria (AirBnB), transporte urbano (Uber), TV por assinatura (Netflix) e outras atividades hoje dominadas por empresas de aplicativos.

Imagine um grande sistema de "open banking", mas sem regulação pelo Banco Central e com grande custo de processamento das transações. Hoje o sistema DeFi é isso. Coisa de cachorro grande, para pessoas ou firmas que querem evitar regulação financeira e tem capacidade de correr grandes riscos.

Cinco mil anos de história monetária indicam que inovações financeiras como blockchain e DeFi começam gerando bolhas, que podem ou não acabar em crise financeira. Neste processo, em algum momento os próprios usuários da inovação pedem um xerife, para organizar o mercado.

Traduzindo do economês, a chave do sucesso do DeFi não está somente na informática. Também é preciso administrar de modo eficiente os riscos inerentes a qualquer operação financeira: liquidez, solvência e exposição a flutuações súbitas em preços chave do mercado.

Para administrar o risco de liquidez, essa coisa chamada sociedade desenvolveu reservas compulsórias, emprestador de última instância (conhecido como "Banco Central") e seguro de depósito. Os pedidos para reinventar isso em linguagem blockchain já começaram.

No caso de solvência, em um longo processo de tentativa e erro, a humanidade também desenvolveu requerimentos mínimos de capital para que uma instituição faça intermediação financeira. Também foram criadas provisões para perdas, limites de endividamento e limites de exposição de credores a um agente ou setor.

No caso do risco de mercado, a crise financeira internacional de 2008 tornou comum a realização de testes de estresse financeiro, onde as instituições reguladas informam às autoridades seu potencial de perda no caso de variações súbitas em alguns preços, como câmbio, juro e petróleo.

Será que já há alguém reescrevendo os critérios de Basiléia como "smart regulation" em blockchain? Acho que sim, mas antes disso se tornar comum, provavelmente teremos alguma turbulência em DeFi. Só depois da crise vem o xerife.

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