Nelson de Sá

Correspondente da Folha na Ásia

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Nelson de Sá

Lentes anglo-americanas distorcem visão sobre Europa e Ásia

Se você falasse alemão ou tivesse paciência para o Google Tradutor, poderia ver por si mesmo, escreve editor irlandês

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Por meses, médicos alemães vinham resistindo a tomar a vacina da AstraZeneca, acompanhando a série de dados controversos saídos da farmacêutica —que até hoje não recebeu aprovação nos EUA.

Com as primeiras mortes, países nórdicos começaram a suspender, depois quase toda a Europa, mas a cobertura do Reino Unido, não só tabloides, mas de Times a Financial Times, passou da defesa do imunizante à crítica da União Europeia.

Até que nesta semana a agência europeia de saúde apontou o elo com coágulos —e Londres não resistiu mais. “Agora até o Reino Unido”, comentou John Authers, colunista do FT por décadas, hoje na Bloomberg, sobre o anúncio da agência britânica de que menores de 30 anos devem usar outra vacina.

Paralelamente, também veio a público, afinal, por BBC e outros, a confirmação de mortes nos últimos meses no próprio Reino Unido.

Mapa do livro 'Terra Incognita', compartilhado com a legenda 'Mais gente vive no círculo do que fora' - Reprodução

Dias antes, o principal jornal irlandês, Irish Times, publicava um artigo de alerta do editor/editorialista Ruadhán Mac Cormaic, sobre a imagem distorcida de si mesma que a UE acaba recebendo e aceitando.

Num dos enunciados, “Maiores fontes de notícias sobre UE estão fora do bloco —e isso distorce a forma como continente se vê”. Mais precisamente, a disfunção está na “forte penetração da mídia britânica, com seus complexos e preconceitos”, que alteram a narrativa.

Alemanha, França e outros membros se veem pelas lentes de um país que optou por deixá-los.

Listando mitos grotescos sobre a UE, como um “veto às bananas curvas”, Cormaic escreve: “Se você falasse francês e alemão ou tivesse paciência para o Google Tradutor, poderia seguir os debates nesses países e ver por si mesmo. O problema é que não é assim que a maioria obtém suas informações”.

Com o brexit, o problema se evidenciou, inclusive por afetar “muito do mundo”, argumenta ele. “Esta é uma das razões pelas quais a cobertura global da UE tantas vezes a enquadra como uma zona econômica remota, perpetuamente à beira do colapso.”

Não é o primeiro alerta. Wolfgang Blau, ex-editor do alemão Die Zeit, escreveu meses atrás que a "Europa ainda deixa para a mídia do Reino Unido e dos EUA contar a sua história globalmente".

E que, para enfrentar a questão, o continente não precisa de “mais uma France24 ou Deutsche Welle”, mas “trabalhar com os veículos nacionais de prestígio existentes em toda a UE”.

O debate não ecoou na imprensa londrina, mas se espalhou pela americana a partir de uma publicação do Nieman Journalism Lab, centro de estudos ligado a Harvard, introduzindo uma pergunta:

“E se os veículos que cobrem os EUA não estivessem em Nova York ou Washington? Se estivessem todos, sei lá, na Islândia? Ou no Japão?”

Vale para a União Europeia como vale para a ascendente Ásia, outra região vista pelo resto do planeta através das lentes londrinas ou nova-iorquinas, apesar de contar com os maiores jornais do mundo.

Não só isso. Nesta semana, os autores de "Terra Incognita", que reúne "mapas para sobreviver aos próximos cem anos", compartilharam um mapa-múndi com um círculo pequeno sobre China, Índia, Indonésia, Coreias, Japão e outros, acompanhado da legenda:

"Mais gente vive no círculo do que fora." A cobertura que o mundo vê, porém, é quase toda editada fora, do outro lado da Terra.

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