Nelson de Sá

Correspondente da Folha na Ásia

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Nelson de Sá
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Esfacelamento institucional nos EUA corrói seu modelo de jornalismo

Pesquisa mostra até apoio à secessão, por republicanos e democratas, refletindo-se em mídia cada vez mais partidarizada

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A informação apareceu há pouco mais de uma semana na newsletter Sabato’s Crystal Ball, referência americana para a projeção de resultados eleitorais, sobretudo para o Congresso.

“Quatro em cada dez eleitores de Joe Biden e metade dos eleitores de Donald Trump concordam que é hora de separar o país, preferindo a secessão da União por estados azuis e vermelhos”, ou seja: democratas ou republicanos, um dos grupos deixaria os Estados Unidos.

Não vai acontecer, mas a pesquisa feita pela Crystal Ball, que é parte da Universidade da Virgínia, criada por Thomas Jefferson, assustou por confirmar as “fissuras políticas da América”.

Assim, “a maioria dos eleitores de Trump não vê diferença entre democratas e socialistas, e a maioria dos eleitores de Biden concorda que não há diferença entre republicanos e fascistas”.

A pesquisa veio no rastro de dois livros lançados no ano passado, mais ou menos resignados à ideia, por autores ligados à revista direitista The American Spectator e à esquerdista The Nation. Nos títulos, respectivamente, “American Secession” (secessão americana) e “Break It Up” (quebre, separe).

Um terceiro livro saiu posteriormente, “Divided We Fall” (divididos nós caímos), questionando a ideia e recebendo elogios no New York Times, com a ilustração acima.

Na mesma linha, diante da nova pesquisa, o site Politico publicou artigo tentando responder “por que estão errados” os que querem dividir a nação. Antes de mais nada, “os Estados Unidos desagregados seriam instantaneamente menos poderosos”.

A pesquisa Crystall Ball registra o que já se podia imaginar, nesse ambiente: cerca de três quartos dos eleitores de Biden e Trump expressam apoio à censura da mídia, respectivamente, de “extrema” direita ou esquerda.

Um outro levantamento, mais estabelecido, confirmou a mídia americana —ou pelo menos seu modelo mais recente de jornalismo— como uma vítima provável dessa divisão na sociedade.

Segundo o Gallup, a confiança dos americanos na mídia “para relatar notícias de forma completa, precisa e justa” caiu mais quatro pontos desde o ano passado e está agora em 36%. Até aí, não há surpresa.

Mais significativo foi outro dado: 68% dos democratas confiam na mídia, contra 31% dos independentes e 11% dos republicanos. Ou seja, os democratas se veem mais representados do que os independentes —e bem mais do que os republicanos.

O resultado reflete a partidarização do jornalismo americano, não só com veículos “azuis”, costumeiramente associados à “mainstream media” como o NYT, mas “vermelhos”, a começar do canal de notícias dominante, Fox News.

Com isso, o esfacelamento institucional da democracia americana ecoa pelo resto do mundo também via mídia.

Na coletânea “Legado de uma Pandemia” publicada pelo Insper, onde é professor, Carlos Eduardo Lins da Silva descreve como o jornalismo que busca a imparcialidade tende a acabar e como o modelo que ameaça voltar é o “partisan”, partidário, como no século 19.

Ex-correspondente em Washington, o jornalista identifica o mesmo movimento “em praticamente todo o mundo ocidental, onde a influência do modelo americano é muito grande”.

Com a polarização, “abre-se nova frente na guerra cultural, em que imprensa e redes sociais são armamentos”. Daí as “crescentes objeções a cânones da atividade, como a busca da verdade factual e o oferecimento de direito de fala a todos os lados relevantes”.

Um retorno ao século 19, no entanto, se daria num ambiente social bastante diverso, “mais arriscado e menos democrático”.

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