A exemplo do que houve com a morte do saudita Jamal Khashoggi há três anos, inusitadamente, também a de Shireen Abu Akleh vai persistindo no noticiário americano —e, por consequência, ocidental.
Khashoggi era colunista do Washington Post, enquanto Abu Akleh era palestino-americana. Na chamada do mesmo WPost, ao dar a notícia na quarta, ela foi descrita simplesmente como "jornalista americana".
Parte da persistência no assunto resulta também da reação imediata da Al Jazeera, para a qual ela trabalhava nas transmissões em árabe. É um canal de notícias estatal, de um governo também próximo de Washington, do Qatar.
"Em um homicídio flagrante, as forças de ocupação israelenses assassinaram a sangue frio a correspondente da Al Jazeera na Palestina, Shireen Abu Akleh", afirmou, em seu comunicado.
Nos Estados Unidos, o protagonismo na cobertura da morte vem sendo do WPost, que ouviu dois jornalistas que estavam com Abu Akleh e outras cinco testemunhas, derrubando a versão do governo israelense.
Este anunciou desde logo um "alto nível de probabilidade" de que ela tivesse sido sido morta pelos próprios palestinos. Mas posteriormente, como destacou o WPost, "Em mudança, Israel investiga possibilidade de soldado ter matado jornalista".
Na rádio do exército israelense, o porta-voz militar descreveu então Abu Akleh como "filmando e trabalhando para um meio de comunicação entre palestinos armados. Armados com câmeras, se você me permite dizer".
O WPost chegou a publicar "Histórias de cinco jornalistas mortos cobrindo o conflito israelense-palestino". Mas o jornal não é a regra ou a referência da cobertura, papel do New York Times, que não foi pela mesma linha.
Já ao noticiar, na quarta, o título e a chamada na home page do NYT foram "Shireen Abu Akleh, jornalista palestina pioneira, morre aos 51", sem informar que havia sido assassinada. No dia seguinte, trocou para "é morta na Cisjordânia", seguindo porém com enunciados dúbios.
O quadro só foi mudar no jornal com o "ataque policial" à multidão que levava o caixão da correspondente, na sexta. Mas outros veículos americanos, caso da CBS, noticiaram a repressão como suposto "confronto", de novo, entre soldados e palestinos.
O questionamento da cobertura da morte nos EUA é generalizado, chegando à Columbia Journalism Review, publicação da mais tradicional escola de jornalismo do país, na Universidade Columbia.
Até Ben Smith, que pouco intervém nos debates desde que deixou a coluna de mídia do NYT, ressurgiu para compartilhar o conselho de outra jornalista palestino-americana, Sara Yasin, que é parte da direção do Los Angeles Times:
"Israel-Palestina não é mais ‘complicado’ do que qualquer outro conflito internacional, as mesmas regras do jornalismo se aplicam! É só fazer o seu trabalho!"
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