Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

O dobrador de guardanapos é um cara feliz

Enquanto a turma toda do bufê corre, ele dobra os quadrados num papinho agradável

Nina Horta

Podem perguntar a qualquer dono de bufê o que ele mais detesta dentro de toda a parafernália usada num jantar, numa festa. Aposto que responderá que é o guardanapo. São milhares e chegam passados a ferro e abertos. O dobrador de guardanapos é um cara feliz.

A mesa posta para um jantar
A mesa posta para um jantar - Henrique Manreza/Folhapress


Automatizou-se em quadrados, retângulos ou triângulos e enquanto a turma toda corre com comidas e bebidas ele dobra os guardanapos num papinho agradável. Pode cair o mundo que ele nem pisca. Tem ali sua tarefa e é a ela que se dedica.

Existe uma lenda entre clientes que as donas de bufê ganham seu dinheiro através dos guardanapos. Ali está o lucro. Pois é o oposto, eles se perdem para sempre e é preciso repartir o prejuízo com a cliente, pois com todos fechados numa sala, só o detetive Poirot poderia descobrir.

Estará nos bolsos dos homens distraídos? Embrulhando os doces da sobremesa nas bolsas das mulheres? Ninguém sabe.

Pois hoje vi um livrinho do qual corro há muito tempo, com o título "A beleza da dobradura", que é quase uma entrevista com Joan Sallas, o maior expert no ramo. Essas que algumas copeiras fazem, digamos... são bregas. Feias. Já pensaram na vergonha de ter sobre o prato um guardanapo de cisne? Mas tudo aquilo que se estuda se acaba gostando. E errei com minha implicância.

Joan Salles, um virtuose da dobra, meticulosamente pesquisa a história e a técnica de se dobrar guardanapos. A arte da dobra sobre a mesa, sua técnica, sua filosofia, que se apresenta numa mesa de banquete no formato de um linho docemente dobrado.

A arte da dobradura renasceu magnificamente (andava esquecida há anos.) Ele, o artista catalão, com a maior ambição resolveu recriar um universo inteiro. Reparem, a dobra é usada em todas as artes, em todos os lugares de moda, na arquitetura, na pintura, na escultura, no mármore gelado, no corpo de uma Vênus, num leque de mulher. O maior dobrador contemporâneo da moda seria Issey Miyake. E Niemeyer com suas curvas?

Quem começou essas dobraduras em 1634 foi Marrhia Ghiegher (engraçado, os nomes parecem de mulheres, vai-se ver são homens) com desenhos simples, básicos. Mas tinha uma imaginação tão barroca que logo os triângulos se transformaram em conchas, dragões, castelos, navios, todas as formas fantásticas que se pudesse inventar.

Joan Sallas se inspirou nele e publicou um livrinho por conta própria, (não sei o nome) que fez pouco sucesso em vendas mas o colocou no topo dos artistas de guardanapo. Começou a estudar na Alemanha e no Japão, mas logo percebeu que eram duas correntes do passado. Ele achou que seria inteligente e divertido esse estudo, ao ver que não haviam sido os japoneses os inventores dele, mas sim holandeses, alemães e escandinavos. Ele também poderia fazer alguma coisa autoral.

E nós que também pensávamos que tudo começara com o origami japonês. Joan Sallas tem 1.300 livros sobre o assunto “dobradura”. Neles descobriu que as belas mesas dos reis de outrora não eram de louça, mas de papel e que a dobradura é uma arte, uma filosofia. E para que não vire o maior textão já escrito sobre guardanapos, a segunda parte fica para a outra quarta-feira. 

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