Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nina Horta

Apreciação profunda pela comida

Em série da Netflix, o chef David Chang come, critica sem papas na língua e aproveita a vida

Nina Horta

Faz tempo que me liguei nesse David Chang, coreano-americano, dono de restaurantes. Nem conhecia a comida dele, mas gostava do papo, da coragem de dizer coisas básicas, de comer "trash food" na maior naturalidade. Era um dos meus.

Num evento do Paladar conversei com aquele cientista das comidas, o Harold McGee,  que já conhecia de Oxford. Ele me contou que junto com o Chang e o Bourdain iria fazer coisas jamais imagináveis, que o fariam voar, falar, brincar, viajar, rir, o que, convenhamos, é coisa demais para um inglês sisudo.

David Chang na cozinha do Momofuku Ssam Bar
O chef David Chang na cozinha de seu Momofuku Ssam Bar, em Nova York - NYT


E agora vejo que andou dando uns loopings por aí numa série da Netflix e na revista de comida que fundaram, a Lucky Peach. Assinei durante o tempo que existiu, foi boa. Nunca chegaram a ultrapassar tudo que fora escrito até hoje, como imaginavam, mas era inteligente e caprichada. O motivo de ter fechado não sei. Com certeza enjoaram, acabou o assunto, porque todos eles continuaram com seus restaurantes, suas falas, suas coragens e críticas.

Agora a Netflix me vem com uma série deles: Ugly Delicious. Dá para ver o que queriam dizer, viajam de lá para cá e o formato é aquele de sempre, de procurar qual a melhor pizza do mundo, qual o melhor pastel, comer e conversar com os cozinheiros, aproveitar a vida, nada muito mais que isso.

Vejo que o sucesso do Chang não foi feito como cozinheiro, mas como comedor, apreciador de comida, crítico, sem papas na língua, sem vergonha de dizer que gosta do que todo mundo convencionou chamar de ruim, como a Domino's Pizza ou o Kentucky Fried Chicken.

É carismático, uma cara ótima. Um corpo que se prepara para ser bem gordo, carismático, iluminado, conversador.

Um dos capítulos é sobre comida caseira, inescapável. A mãe, a mesa da cozinha e o restaurante que inventou para criar novidades em torno disso, o Momofuku Noodle Bar, sem regras, sem preconceitos. E sempre um grande cozinheiro por perto. Nesse capítulo, René Redzepi, do Noma.

Esse coreano-americano parece que parou de cozinhar no dia em que abriu o primeiro restaurante. Fez-se amigo de Peter Neehan, um crítico de gastronomia, e começou a pesquisar comida feia, comida caseira que não era exatamente fusion, mas autofágica, aproveitando tudo de bom que aprendia fora de sua cultura, mas que de algum modo não machucasse suas origens.

Chang vê semelhança em tudo. Pesquisa comida cajun vietnamita, se enrosca em lagostins e a técnica de cozinhá-los, vai a Pequim e conversa com Fuchsia Dunlop. Vocês já leram essa autora inglesa que morou anos na China? Muito boa. Vale a pena.

Não se esquece do bom churrasco americano, visita todos, se informa e acaba... querendo fazer um churrasco vietnamita. É claro, compara, pensa e com aquela cara de menino mimado, gorducho, parte para o frango.

O frango é uma unanimidade para ele e os amigos. Todos adoram frango e acham que foi feito para ser comido, o que aparece no primeiro contato entre o homem e a ave. Muito interessante como discutem o racismo, simbolizado pelo frango frito. Em outro post vamos conversar sobre isso especificamente, pois dá pano para manga.

Se fosse vocês assistiria essa série. É permeada por apreciação profunda pela comida e não se envergonha nem um pouco de dizer que comida boa é aquela feita com amor.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.