Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Parecia camarão, mas era mamão verde

A generosa leitora que explicou ingredientes e trouxe frescor em suas receitas

Quando eu escrevia para o jornal físico recebia muitos emails e os leitores geralmente escreviam muito bem. É claro que jamais resisti à tentação de transcrever as cartas deles.

Tem uma que adoro, veio de Mossoró, no Rio Grande do Norte, de alguém que se chamava Angela. Tanta naturalidade, uma diferença desse pessoal político que fala na TV com intuito evidente de nos confundir. Pois qual é o eleitor, por mais avisado que seja, que não se assusta com a palavra “teratológico” no contexto em que foi usada? A vontade é sair correndo, que vem vindo bicho-monstro por aí.

Gôndola de sacolão com mamões
Mamões em gôndola de sacolão - Carol Guedes/Folhapress

E daí a doce Angela desconhecida vem com uma historinha que mais simples não pode ser, mas que é transparente, tem cheiro, cor, consistência, e as palavras são aquelas que qualquer criança pode usar.

“Fiquei com uma saudade danada de mim mesma. Minha avó tinha uma belíssima propriedade na beira do mar e entrando pelo mato, onde passei os meus anos verdes entre cajus, peixes, preás, tatus, capotes (galinha-d'angola), patos de lagoa, patos gordos, carneiros, tapiocas, grudes, queijo de manteiga (parece requeijão mineiro, mas é diferente), manteiga da terra, de garrafa e mais uma dezena de guloseimas difíceis de escrever agora, como avoantes (arribação) e traiobas (mariscos de areia)."

Vejam como a leitora tem medo que não saibamos o que ela quer dizer e se explica entre parênteses, generosa que deveria ser.

"Não tinha eletricidade e comíamos tudo fresco ou no sal preso. Um dia minha avó fez uma comida picadinha deliciosa, bem ensopada, com manteiga de cheiro, coentro, colorau, leite de coco, cebola roxa e sua mão maravilhosa, servida com feijão-verde e arroz de leite. Comemos até não dar mais. Parecia siri, arraia, parecia camarão. Mas depois soubemos que era feita de mamão verde. Naquele dia a Marinete havia atrasado, a jangada não tinha chegado, essas coisas, e ela improvisou."

Reparem bem que são coisas que aqui no Sul não temos acesso, mas o linguajar dela nos faz entender tudo, como se fôssemos primas com muitas férias em comum.

"Passei a vida com essa comida de temperos leves ou apenas temperos perfumantes. A coisa de sabor mais exótico que conhecia era o cravo-da-índia, que temperava as ambrosias e os doces de mamão verde."

Entendem? A mulher estava lá longe, há muito tempo, e nos faz chegar com frescor absoluto a comida que comeu no almoço. Por mim, esse vai ser o modo mais fácil de descobrir meu candidato. Falou difícil, tossiu, pôs a mão na boca, virou os olhos, é porque quer me impingir fake news. Pra lá. Quero água fresca e boa.

E essa conversa de fake news também fica para outra vez, são coisas novas que temos que resolver sem precipitação. Afinal o Facebook é novo, temos que aprender a lidar com ele, assim, cara a cara, olho no olho. E não vai ser difícil. Por que seria?

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