Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Documentário ameniza injustiça gastronômica histórica

Jeremiah Tower foi um dos criadores da nouvelle cuisine californiana e chef do Chez Panisse

Medalha do prêmio James Beard, conquistado por Jeremiah Tower - Reuters
São Paulo

Temos na Netflix um documentário muito bem feito da vida de Jeremiah Tower ("Jeremiah Tower: The Last Magnificent"), um dos criadores da nouvelle cuisine californiana e chef do Chez Panisse, onde foi sócio de Alice Waters, famosa no mundo todo por seu papel como ativista do movimento Slow Food.

Filho de família americana rica, com pais que encheram sua infância e adolescência de viagens e hotéis de primeira classe, comida exótica, livros de toda sorte. Cresceu bonito, espirituoso, elegante, gay, um lorde.

Chegou à maioridade arquiteto e autodidata em cozinha francesa. Aproximou-se do Chez Panisse e foi aceito por Alice, a dona. Ficou lá de 1973 a 1978, e saiu magoado, pois Waters, em seu primeiro livro, não lhe deu os créditos merecidos. E Tower era, simplesmente, o inventor do conceito da nova cozinha californiana.

Quem descobrira as mini-alfaces verde-claro, a rúcula, os cogumelos perfumados? Comida culta, ciente da geografia, com muita salada, queijo de cabra, e novas palavras como: estações, orgânico, menu diário, fusion? Comida multicultural, influenciada pela nouvelle cozinha europeia, claro, mas a Europa se agarrava muito ao seu próprio terroir.

Ele, Jeremiah Tower, o homem que queria ser francês, recriou-se como americano, tirou a língua francesa de seus cardápios, e traduziu tudo para a América com Alice Waters instalada nas capas de todas as revistas. Coisas da mídia.

Fora ele quem transformara tudo em comida iconoclasta e boa, com uma estrutura francesa e uma leveza nova, americana. O homem das referências, dos menus sensacionais, refletidos, dono de um paladar excepcional.

Não sossegou enquanto não teve na boca o doce sabor do sucesso pessoal. Abriu seu próprio restaurante, o Star, em São Francisco. Ganhou o prêmio James Beard de melhor cozinheiro da América. Causou com o Star. Uma concepção arquitetônica e gastronômica diferente de todas as outras. Um palco, lugar glamouroso e democrata, com comida perfeccionista e o toque especial de um festeiro que misturava tudo e todos: a socialite do momento com o campeão de luta livre, a cozinha exposta, o enorme bar, a comida provocante, Givenchy, sandálias Birkenstock, Rudolf Nureyev, Billy Wilder, Kirk Douglas, black tie e jeans...

Os anos 1980 colaboraram e o público aprendeu a comer a nova comida americana. Os chefs se transformaram em estrelas. Jeremiah Tower mora no México, completamente zen e ainda amigo de Alice Waters. Vidão. Que fez por merecer.

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