Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Boa gente

Chefs acreditam que cada um deve comer o que lhe der vontade

A maioria dos grandes chefs de hoje são obrigados a falar e a escrever para explicar ao grande público as suas intenções. Da verdura arrancada do chão ao laser que imprime uma alface na sopa. Jiro, o japonês, é adorado por todos como exemplo de autenticidade. Ha-ha, se é ele o autêntico, quem são os outros? Um bando de preguiçosos sem noção? (O que não está longe da verdade se comparados a ele.)

Chef corta cebola
Chef corta cebola - Leticia Moreira/Folhapress

Percebi que quando conversam, o assunto ou é química e física ou a fazenda vizinha. De repente, aqueles que são formados em pura ciência se deparam com grandes problemas que não sabem resolver. Adivinhem, todos nós conhecemos as esferificações que nos impressionavam quando Ferran Adrià desestruturava uma azeitona e fazia outra igual. E distribuía bolinhas coloridas na sopa que estalavam na boca para nosso prazer. Pois eles agora têm um problema. Não conseguem fazer cubos com a mesma técnica. Os cubos teimam em se transformar em bolas. Problemão.

Por incrível que pareça, a maioria não acredita nessa vida de orgânicos, pessoas plantando e fazendo sua própria comida e cozinhando em casa com a família reunida. Sabem dos dias de hoje, das mães solteiras, dos pais com dois turnos, da necessidade de comida rápida e barata.

Acham utópico e inocente essa saída e rezam para que os grandes conglomerados de comida se tornem mais criativos e mais eficientes, mais politicamente corretos para que a humanidade coma bem e barato. O que não impossibilitará a alta cozinha feita para os que têm dinheiro pra dar e vender. Querem um dia poder salvar o mundo, mas sabem que a parte deles vai ser pequena.

Conversam sobre caça e é um assunto complexo. Há muitas diferenças em cada caso e lugar. Estranham que não tenhamos dó da galinha nem do peixe, ou pouco dó. Não importa muito a eles a morte. E ficam de olho parado, pensando que afinal todo mundo morre e os bichos também. E preferem um belo bicho solto, fazendo tudo o que quer, feliz, e que um dia é morto por uma bala certeira, melhor, muito melhor do que morrer nos dentes de um predador ou doente e velho. Nesse setor andam esperançosos, pois acham que as pessoas e as leis andam ficando mais inteligentes.

Não acham que todos devem ser vegetarianos e sim que cada um deve comer o que lhe der vontade. Acreditam em economia total de ingredientes, boa gestão de restaurantes, contato com fornecedores, essas coisas, mas sem exageros.

Adivinhem a comida que mais gostam? Aquela que vocês também mais gostam. Asa de galinha frita. Passam a maior parte da vida inventando jeitos de deixá-la mais crocante. Com a idade vão enjoando um pouco de frescuras estéticas e só pensam no sabor. A cebolinha em pé no prato anda fora de moda ou passa de moda muito depressa. Acreditam que quando alguma coisa dá certo já está na hora de mudar. São boa gente.

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