Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Os segredos que uma galinha guarda

A carne da ave citada por Pero Vaz de Caminha é usada para fazer petisco frito e até bebida alcoólica

Escrever uma coluna não é problema quando se tem um assunto. Cada louco com sua mania, e a mania geralmente oferece o tom porque está lá, presente, o tempo inteiro. O normal, então, seria que me agarrasse ao assunto “galinha” que tanto prezo.

Já na primeira carta saída do Brasil, aliás muito bem escrita por Pero Vaz de Caminha, ele gastou um parágrafo, prestem atenção, gastou um parágrafo contando ao rei sobre uma galinha barulhenta, que o nosso Cabral orgulhosamente segurou pelas pernas e, de ponta-cabeça, apresentou aos índios que visitavam o navio... e os índios quase tiveram medo dela. Só o “quase” já daria uma tese.

Galo em São Paulo
Galo em São Paulo - Gabriel Cabral/Folhapress

Além disso, na série da Netflix com o americano-coreano David Chang, ele solta um comentário que daria panos para manga. Aprendi lá que ele e outra coreana com quem conversa sentem uma imensa e dolorida ferida de não pertencimento. Imagine um rapaz que venceu na vida, cozinha bem, tem uma bela família, é inteligente e engraçado, ficou famoso com seu restaurante Momofuku e com outros, criativo, sem papas na língua, sofreu na infância por não ser branco. Tinha vergonha dos cheiros da comida de sua casa e não podia convidar os colegas pois eles estranhariam a comida da mãe!

Chang sentia-se amarelinho como um pinto saído do ovo, queria ser branco, era amarelo! Não é possível, sempre se pensa no racismo com outros toques além da cor, a condição social, essas coisas, mas o menino tinha vergonha do cheiro da cozinha. E das comidas que a mãe punha na sua lancheira. Coisa mais que inacreditável. Os cozinheiros vivem enfiando o nariz na comida alheia para aprender, para comer, para sentir, para gostar, para imitar.

E nessas conversas de kimchi, de comida de mãe, de branco, de amarelo, ele ensina que o frango frito é um símbolo no racismo americano. Melancia e frango frito, espalhados por todos os Estados Unidos, tão espalhados que viraram fast-food, são tidos como comida dos pretos. Eu não sabia. Como os escravos podiam ter esse tipo de criação, pequena, que não dava trabalho, transformou-se, no imaginário americano, em uma comida de pobre.

De vez em quando, telefono para um filho e peço um balde de asinhas fritas, não me interesso tanto pelas coxas. Então é comida racista, valha-me Deus. Ah, e mal-educada, porque era para comer com as mãos! Às vezes faltavam pratos e talheres aos escravos. Foi uma baiana que me ensinou, metia-se a mão na comida, arroz com feijão, de preferência, e moldava-se um bolinho, como um bolinho de arroz ou bacalhau e era bom e tinha nome, chamava-se capitão. 

E folheando revistas descobri um mezcal mexicano feito do maguey, que era aquecido e depois torcido e dali extraído um suco que dessedentava. O que me assustou um pouco foi ver que existe o mezcal de “sustância”, em que a fermentação é feita com um peito de galinha sobre o alambique. São mandadas 2.400 garrafas para os Estados Unidos. Só. Preciso ler mais, não entendi muito bem. Pechuga, é como o chamam.

Ah, os segredos que uma galinha guarda!

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