Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Tanta simplicidade

Para o aniversário de um amigo, o cardápio será simples e a mesa um desbunde

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Meu amigo quer um jantar de aniversário. Nasceu e morou sempre muito perto do mar, pele torrada de sol, os olhos vermelhos dos caldos, a garganta apertada, o corpo magro marchetado de areia dura das quedas, lábios rachados de sal, amigo dos peixes, das escamas, das conchas muito duras, da gelatina das ostras, das sereias.

Farinha de mandioca
Farinha de mandioca - Folhapress

Eu faria para ele a minha mais alta homenagem, com a lembrança marítima que tenho, afinal, mar de Minas e São Paulo só fazem lembrar piabas, pois são rios. Faria os tatuís do Leme. Aqueles buracos na areia depois da onda, a correria, a gente enfiando a mão cega neles e o triunfo de conseguir mais um e guardar dentro de um boné. Nem sei descrever um tatuí, mas parece um tatuzinho branco, gorducho, do tamanho de um camarão. Uma lagostinha pra comer com arroz, nacos de gostosura, mas é melhor esquecer, devem estar extintos, e extinto também está o Leme e quiçá o Rio.

Ainda bem que vamos estar em Paraty, na moda, comendo a paisagem, de preferência paisagem barata --o que não é difícil aqui, a casa feita como uma extensão da casa de farinha com toda aquela tralha antiga. E temos farinha feita em casa, que sem dúvida é o maior luxo. Ninguém imagina a trabalheira que dá tanta simplicidade, solta, branca.

O Hiltinho, faz tempo que não vejo o Hiltinho, terá desistido do restaurante? Ou fui eu que desisti de Paraty das pedras das ruas, definitivamente as ruas de lá não são para os velhos. É que ele me ensinou um acompanhamento de peixe dos mais fáceis. Pega um limão, uma tigela da tal farinha e vai pingando o suco nela, até virar um pirão, com uma gota de sal. Acho que fujo da receita quando encho de salsa cortada bem fininha, mas é bom. Bom para servir com qualquer peixe, mesmo que frito, acaba com a gordura, faz um par perfeito.

Lá na entrada do sítio, na porteira, tem um barranco e, nele, montes de samambaias cheias de brotos. Será que merecem o epíteto de pancs? Porque estou a fim de fazer coisa de moda. Pego os brotos mesmo, sem folha, e é só passar na água fervente até perder o amargor e refogar. Sustentável, panc, locavore, orgânico, está no ponto!

O peixe vai ser o que for pescado no dia, não posso adivinhar antes, assim.

Mas isso é o segundo prato, peixe com pirão de farinha crua e samambaia refogadinha.

Em Paraty está frio e podemos começar com um caldo de fundo de rede, feito em vinho tinto e branco. Acreditem, é bom, pois se pode juntar as sobras das garrafas. Tem que ser servido numa xícara bonita, quase sem tempero porque caldo salgado demais é horrível.

Meu amigo gosta de sair logo da mesa e ir embora, mas posso tentar fazer alguma coisa de chocolate bem gosmenta porque ele gosta e é aniversário. Ou um sorvete de açaí com calda quente por cima, ele adora açaí, eu já gosto só da cor. Preciso lembrar de levar a sorveteira. Mas desconfio que umas bananas fritas bastariam. Com açúcar e pouca canela.

E parabéns a você, Pablo. As coisas agora andam simples assim. Só que prometo fazer um desbunde de mesa, prometo.

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