Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Tatuís, que lembram camarões gorduchos, são nacos de gostosura

Lagostinha para comer com arroz, mas é melhor esquecer, devem estar extintos

Meu amigo quer um jantar de aniversário. Nasceu e morou sempre perto do mar, pele torrada de sol, olhos vermelhos dos caldos, garganta apertada, corpo magro marchetado de areia dura das quedas, lábios rachados de sal, amigo dos peixes, das escamas, das conchas muito duras, da gelatina das ostras, das sereias.  

Faria a minha mais alta homenagem, a lembrança marítima que tenho, afinal mar de Minas e São Paulo só fazem lembrar piabas, pois são rios. Faria os tatuís do Leme. Aqueles buracos na areia depois da onda, a correria, a gente enfiando a mão cega neles e o triunfo de conseguir mais um e guardar dentro de um boné. 

Nem sei descrevê-lo, mas parece um tatuzinho branco, gorducho, do tamanho de um camarão. Lagostinha para comer com arroz, nacos de gostosura, mas é melhor esquecer, devem estar extintos e como está o Leme e quiçá o Rio. 

 
Barco em Paraty (RJ)
Barco em Paraty (RJ) - Deni Williams/Wikimedia Commons

Ainda bem que estaremos em Paraty, na moda, comendo a paisagem, de preferência barata, o que não é difícil aqui, a casa feita como extensão da casa de farinha. E farinha feita em casa sem dúvida é o maior luxo. Ninguém imagina a trabalheira que dá tanta simplicidade, solta, branca.

O Hiltinho, faz tempo que não o vejo, terá desistido do restaurante? Ou eu que desisti de Paraty, das pedras das ruas, que definitivamente não são para velhos? Ele me ensinou um acompanhamento de peixe dos mais fáceis. Um limão, uma tigela da tal farinha e pinga o suco nela até virar pirão, com uma gota de sal e nem precisa. 

Acho que fujo da receita quando encho de salsa cortada bem fininha, mas é bom para servir com qualquer peixe, mesmo que frito, acaba com a gordura, faz um par perfeito. 

Lá na entrada do sítio, na porteira, tem um barranco, montes de samambaias cheias de brotos. Será que merecem o epíteto de pancs? Porque estou a fim de fazer coisa de moda. Pego brotos mesmo, sem folha e é só passar na água fervente até perder o amargo e refogar. Sustentável, panc, locavore, orgânico, está no ponto! 

O peixe será o pescado no dia, não posso adivinhar antes. Mas é o segundo prato, peixe com pirão de farinha crua e samambaia refogadinha.

Paraty está frio, e podemos começar com caldo de fundo de rede, feito em vinho tinto e branco, que é bom pois se pode juntar sobras das garrafas. Tem que ser servido em xícara bonita, quase sem tempero. Caldo salgado demais é horrível. 

Meu amigo gosta de sair logo da mesa e ir embora, mas posso tentar fazer algo de chocolate bem gosmento porque ele gosta e é aniversário, ou um sorvete de açaí com calda quente, ele adora açaí, preciso lembrar de levar a sorveteira. Mas desconfio que umas bananas fritas bastariam. Com açúcar e pouca canela. 

E parabéns, Pablo, as coisas agora andam simples assim. Só que prometo fazer um desbunde de mesa, prometo.

PS: Os sucos você faz, Ângela, são seu forte.

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