Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

E o guardanapo na cabeça

O que faria com que políticos importantes se rendessem à alegria num restaurante chique?

Coisa que a irritava era um autor anunciar seu livro com teaser e tudo e você se precipitar para comprar e nada. Fake news, com certeza. Silvio Barsetti lança o livro "A Farra dos Guardanapos: O Último Baile da Era Cabral" (ed. Máquina de Livros), com detalhes da festa do ex-governador do Rio de Janeiro. Uma festa que reuniu 150 pessoas em um dos locais mais nobres da Europa. Um gasto de cerca de R$ 1,5 milhão para celebrar o recebimento da condecoração máxima do governo francês. Uma dança espontânea com guardanapos amarrados na cabeça de alguns dos homens mais influentes presentes.

Aquele era um assunto sobre o qual se debruçara e sobre o qual não conseguira um esclarecimento que fosse. O que faziam aqueles políticos dançando em Paris com um guardanapo na cabeça? As coisas sempre precisam ter um mínimo de explicação. Ku Klux Klan? De vez em quando, em certas fotos, lhe pareciam freirinhas do Almodóvar, dopadas. O que faria com que aqueles homens, políticos importantes, malas recheadas de dinheiro, se rendessem à alegria, num restaurante chique, com um guardanapo amarrado na cabeça como uma lavadeira de beira de ribeirão? Não houve o que explicasse, a não ser histórias de corrupção, de muito dinheiro, porque farra de guardanapos, assim, só isso, vamos e venhamos, não tem graça nenhuma.

 

A verdade às vezes custa a chegar. Fake news não é coisa nova, nem nostra. Tempo de Platão. Chegou com a palavra pequena e francesa "ortolan". Chama-se a revolução de outubro. O ortolan: símbolo da riqueza. Essas avezinhas infelizes, depois de serem capturadas no fim do verão, são criadas num escuro total, para não se distraírem e sim prestarem muita atenção no que vão comer. E são coisas boas, tipo figos e amêndoas. Elas muito intrigam, são aves que nem cantar bem sabem, de lindas não têm nada e de repente aquelas honras todas de gaiola de ouro. E livres dos perigos da natureza, essa mãe má, dos predadores, da anual viagem para a África, o tem que ir senão morre, a obrigação de migrar.

Bom, as ortolans da farra brasileira, por supuesto, foram enfiadas cuidadosamente num forno baixinho, depois de um pouco de sal e pimenta-do-reino. Em quatro ou cinco minutos, estavam douradas e ao ponto. Para comê-las é mister pegar pelo bico e colocá-las inteiras na boca, cobrindo a cabeça com um guardanapo para que nada escape, nem o cheiro, nem o gosto. Estão muito quentes, a pele é crocante, há pequenas camadas de gordura e o gosto das vísceras, cada uma a sua vez, uma alquimia divina de sabor inigualável.

Estão se extinguindo. Claro, gostosas desse jeito. Anthony Bourdain explicou maravilhosamente bem como são boas no livro "Medium Raw" ("Ao Ponto"). Aparecem na série "Billions". E de crueldade humana não há nada. Comem-se sardinhas prateadas com todas as suas espinhas, codornas meigas com uvas, escargots em manteiga. A diferença é a breguice da dança, os bolsos recheados. E o guardanapo na cabeça. Só.

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