Nina Horta

Escritora e colunista de gastronomia, formada em educação pela USP.

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Nina Horta

Um impulsor de sonhos

Livro da chef Dominique Crenn é do tipo que inspira sonhos a cozinheiros ainda novinhos

1- O calor impede até que se apertem os botõezinhos que nos trariam o livro em um segundo. Fugi dessa tentação por mais de um ano, mas um dia caí nela pela beleza do livro, que se nota mesmo on-line, ou melhor ainda on-line. 

A chef Dominique Crenn em seu restaurante, em São Francisco
A chef Dominique Crenn em seu restaurante, em São Francisco - Jason Henry/The New York Times

2- O nome é Atelier Crenn: Metamorphosis of Taste e leva na capa um polvilhar branco de trigo saindo das mãos de algum pâtissier. Bonito pra caramba, e as fotos internas também, daquele tipo que inspira sonhos a cozinheiros ainda novinhos, vorazes, crentes das possibilidades de expressão que a cozinha abriga. 

3- A chef é Dominique Crenn, que começou a se interessar pelo ramo aos oito anos, quando comia em grandes restaurantes na Europa acompanhando o pai e um amigo crítico de restaurantes. Em 1988 começam seus estudos, faz estágio com Jeremiah Tower, vive uns tempos na Indonésia. Ah, tão impressionada estou com a cozinheira que esqueci de dizer, Dominique (nique, nique, s'en allait tout simplement) Crenn chama sua cozinha de Poetic Culinaria.


4- É fácil encapsular em três palavras uma vida de estudos, pesquisas, persistência, dia e noite pensando em poemas, mas batucando nas panelas, nas cozinhas quentes. É a única mulher a ter três estrelas Michelin na América. 

5- A minha crítica não é bem uma crítica, e sim uma constatação de quão atrasada estou nas novas lides culinárias. Dominique é do tipo que usa todas aquelas geringonças que não cabem na nossa cozinha, e aqueles ingredientes-ajudantes que também não sabemos onde comprar. 

6- Achei muito difícil acompanhá-la, não na parte dos poemas que cita, mas na lida de todo dia de seu restaurante. É coisa pra cachorro grande, bem distante de nossas multi-farofas.

7- Vocês me desculpem a subjetividade, não é preciso ir pela minha cabeça, mas me lembrei muito das festinhas de aniversário que fazia para meus filhos, com um tema determinado. Seus jantares devem ser inesquecíveis como eram minhas festetas. Um cavalo verdadeiro, nervoso, puxando uma carroça em frente da casa, meninos armados até os dentes, com chapéus de cowboy, blusa xadrez, até o clímax, quando o animal se irritava e disparava com as crianças rua afora. Aquele susto, o cavalo mandado de volta para a padaria de onde viera e as crianças, desarmadas, em volta de uma fogueira de jardim fazendo cachorros-quentes. 

8- O percurso de um jantar de Dominique geralmente tem um tema que ela segue à risca, com uma estética primorosa, passando pelo musgo do chão, aos veneráveis pinheiros, folhas de outono, cheiros marrons, gostos castanhos, seguindo algum poema de Emily Dickinson. Formidável e inacreditável.

9- Não confiem na minha subjetividade. Procurem na internet e serão capazes de escolher o livro pelo que ele é. Um impulsor de sonhos. 

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