Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor

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Tati Bernardi
Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão. Pela Cia das letras lançou "Depois a Louca sou eu" e "Você nunca mais vai ficar sozinha".

Na primeira semana ela dizia que estava leve, tranquila e acreditava que o amor lhe fazia bem. Agora, sim, tinha encontrado a paz em uma relação! Agora, sim, daria certo! Nós, seus colegas de trabalho, já nos entreolhávamos, pressentindo o tsunami.

Lá pela terceira semana, ela começava a reclamar: não conseguia se concentrar nem para ler o jornal, tinha desistido de um curso que era bem no horário em que o fulano costumava aparecer, perdia tanto tempo sorrindo idiotizada que seus projetos estavam atrasados. Sofria a cada “sumiço” do cara (quando, por exemplo, o pobre enamorado não mandava um “oi” a cada três horas), ficava abatida, magra e passava a exclamar pelos corredores do escritório: “Eu odeio me apaixonar. ODEIO. Que merda, que merda!”.

Então, faltando menos de um mês para aquela potência de mulher (divertida, boa gente, criativa) completar o primeiro aniversário de namoro, ela já havia se transformado numa espécie de megera infantilizada embebida em espumas flutuantes. Dava pena ver que ela sempre conquistava grandes homens, mas, impossibilitada de suportar o carinho deles, fantasiava que só recebia migalhas e esbravejava, ofendidíssima, exigindo o que chamava de “uma relação de verdade”.

Eu ficava com vontade de dizer à Joana que não era do amor que ela tinha medo, mas, sim, da própria compulsividade. Não comia pizza com medo de engolir 45 pedaços e morrer, não bebia com medo de entornar cinco bares inteiros e morrer, não fumava porque, uma vez com o isqueiro na mão, tinha vontade de atear fogo no mundo e meter pra dentro do pulmão o fim da humanidade.

Acompanhei boa parte da longa estrada de fracassos amorosos de Joana. Dos 24 aos 40 anos, ela namorou metade dos homens da cidade de São Paulo e botou pra correr todos eles. Aparecia acabada, péssima, e também muito vitoriosa na minha casa: “Estraguei tudo!”.

Bolo com uma fenda no meio, na qual estão caídos os bonecos da noiva e do noivo
Dos 24 aos 40 anos, Joana namorou metade dos homens da cidade de São Paulo e botou pra correr todos eles - LRafael - stock.adobe.com

Até que um dia ela saiu para jantar com Daniel, um cara que trabalhava no mesmo prédio que a gente e que tínhamos apelidado de Maconhel. Ele era bem gatinho, muito generoso, mas tinha um problema: não estava neste planeta. Não entendia direito o que a gente falava e quase sempre esquecia o que era pra fazer.

Joana se apaixonou por aquele rapaz aparentemente meio perdido e errado e, depois de algumas semanas, doida pra apertar o botão do pânico (e assistir ao exército do seu superego decapitar o eleito em nome da retomada do controle total), assim o fez. Foi louca e chata e exigente e histérica. Mas Maconhel não entendeu nada e no dia seguinte já tinha esquecido. Então Joana fez de novo e de novo e de novo. Mas Maconhel seguia não percebendo, não se conectando, não dando a mínima. E esquecia. E de novo e de novo. E nada. Ela apertava o botão da explosão, mas Maconhel nem sequer estava ligado na tomada e sobrevivia dia após dia. De modo que Joana e Maconhel se casaram, e até hoje ela não se conforma com isso.

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