Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor

Isabelle, Caetano & Chico

'Caetano me ligou furioso, dizendo que ele era mais fã do Chico Buarque do que eu'

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Chico Felitti

Repórter ganhador dos prêmios Petrobrás e Comunique-se de jornalismo, é autor de “Ricardo & Vânia” e "A Casa - A História da Seita de João de Deus".

Isabelle de Moraes não era mais criança no dia 12 de outubro de 2009. Mas, aos 20 anos de idade, era como se tivesse ganhado um presente. Conheceu no samba um homem que parecia saído de um sonho. Vamos chamá-lo de Caetano, porque ele prefere não ser nomeado. Caetano tocava pandeiro. “Sou meio Maria-palheta, vejo um cara tocando e ele já ganha pontos.” Caetano tinha oito anos a mais do que ela, mas era jovial e, o mais importante, era fã de Chico Buarque. Os dois passaram a noite conversando sobre Chico. E, então usam as bocas para algo que não era conversar, antes de ela ter de sumir. “Saí correndo que estava dando a hora do meu turno.”

Mesmo jovem, Isabelle já tinha uma carreira. Era técnica na Petrobras, trabalhava numa ilha no meio da Baía de Guanabara e ganhava três vezes mais do que a mãe. Mas naquele dia no trabalho, sua cabeça só serviu a uma ideia, que repicou sem parar. “Eu vou casar com ele. Eu nunca conheci alguém que gostasse tanto de Chico Buarque.”

Os próximos dois anos foram de um namoro que ela define como padrão. “Era cinema, casa dos pais, shopping Gávea, o de sempre.” Em 2011, ficaram noivos e ela comprou um apartamento. O futuro parecia ter sido planejado por uma engenheira de ponta, como ela. Marcaram o casamento para o fim de 2012 e a lua de mel para seis meses antes disso —queriam aproveitar o verão da Europa.

Mas algo mudou dentro de Isabelle. E ela começou a se sentir sozinha, mesmo dentro de um casal. “Estava num nível de carência que achava que estava apaixonada pelo meu melhor amigo, só porque ele atendia o telefone.”

A quatro meses da viagem, ela se deu conta de que não queria mais se casar. Ligou para a mãe, que a aconselhou a pensar bem. Então fez o convite: “E se você fosse comigo na viagem? Os hotéis já estão todos pagos, só falta a passagem”. O tom da mãe mudou: “Eu acho que você precisa terminar.”

Em julho, lá estavam as duas no aeroporto. Com mais alguém. Caetano. Ele até aceitou o término, mas fez um pedido: “Deixa eu ir do seu lado no voo? Eu morro de medo de avião e é o único jeito de eu viajar”. Isabelle atravessou o Atlântico ensanduichada, com a mãe vomitando à sua direita e Caetano chorando à sua esquerda. Quando pisaram em Paris, os ex-futuros noivos se dividiram.

Enquanto Isabelle caminhava pelos jardins do Palácio de Versalhes, sozinha, sentiu algo raro. “Eu senti felicidade. Queria tanto viver aquele momento.” Mas, no mesmo dia, recebeu uma notícia trágica: uma das suas melhores amigas havia morrido atropelada no Brasil.

A mãe a incentivou a aproveitar o que restava da viagem. No dia seguinte, foram a um grande magasin para espairecer, mas o sistema de som da loja começou a tocar “Essa Moça Tá Diferente”, de Chico Buarque, uma das músicas prediletas da amiga que ela havia acabado de perder. Isabelle saiu chorando pela rua. A mãe foi atrás. Sem que nenhuma das duas notasse, um toró se armou e desabou sobre os homens. As duas correram pela primeira porta aberta, sem saber aonde estavam indo. Acabaram entrando no café La Favorite que, com seus garçons engravatados e balcão de madeira antiga, estava acima do que permitia o orçamento.

Isabelle e a mãe sentadas em um banco de um jardim em Paris
Isabelle (à dir., com uma camiseta de Chico Buarque) e a mãe em Paris - Arquivo pessoal

Enrolaram sobre um único cafézinho até que a chuva cessou. Quando estava de saída, tropeçou em um senhor. “Eu esbarro em gente o tempo todo.” Ciente da sua completa ausência de jeito, emendou o tranco com um “Pardon, monsieur”. Só então ela olhou para o homem que havia derrubado. E congelou. Do chão de um café na Rue Rivoli, duas luas cheias incrustadas em um rosto estavam focadas nela. “Era o Chico Buarque.” Os olhos, verdes ou azuis, nem ele sabe, pousaram em Isabelle.

Ela tentou falar algo. Gesticulou e balbuciou. Mas a única coisa que conseguiu dizer foi: “Eu gosto muito de você”. Não houve foto para registrar o momento, mas Isabelle teve a mãe por testemunha e fez um texto no Facebook contando tudo. Tudo, menos que interpretou o encontro como um último presente da amiga que havia acabado de partir. Uma das pessoas que leu o texto foi o ex-futuro marido. O homem de quem ela se aproximou por causa de um amor compartilhado por Chico Buarque. “O Caetano me ligou furioso, dizendo que ele era mais fã do Chico Buarque do que eu.”

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