Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nosso estranho amor

Pensa num maluco corajoso

Eis que o valente e aguerrido "esse é macho" ficou apequenado pelo pavor que sentia de uma mulher

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Agora não lembro o nome do programa, mas era algo como “Lugares para onde você não iria nem a pau” ou “Pensa num maluco corajoso”.

Enfim, tratava-se de uma série documental brasileira em que um belo repórter visitava epicentros de guerras, mostrava de perto os hábitos em ditaduras sanguinolentas ou vivia a rotina de cidades longínquas, vítimas de uma pandemia fatal (ops, quem diria).

Luci, minha amiga casada há 14 anos, andava num tesão louco pelo tal jornalista. Dizia coisas absolutamente fora de moda como “o mais macho de todos” e “que homem é esse!”. Ela esperava toda a família ir dormir para assistir sozinha ao programa —e ficava tão excitada que temia que alguém entrasse de repente na sala e a pegasse vítima de uma pornografia pesada: o cara alojado pra se proteger de uma bomba, por exemplo

Tudo começou quando, em mais um domingo chato, Luci estava colocando o bebê no bercinho, exausta, e ouviu gemidos altíssimos vindo do banheiro. O Xvideos passando no celular do marido entrou no bluetooth da caixa de som da sala, despertando uns cinco andares do prédio (incluindo o nenê de Luci). Ali ela se sentiu humilhada e precisou buscar uma vingança a altura.

Seria só uma breve crônica comezinha de onanismo toma lá da cá não fosse Luci ter conhecido o repórter alguns meses após o começo de sua paixão platônica e autoerótica.

Luci parecia decidida a terminar o casamento naquele segundo em que o apresentador destemido apareceu no aniversário em que estávamos.

Lembro-me de ela cometer alguma metáfora péssima e afobada, comparando a covardia de seu cônjuge (para encarar as explosões na fralda do bebê) com tudo o que aquele ser humano perfeito já tinha passado para fazer o que chamou de “melhor programa da televisão das últimas décadas”. Ela disse isso e foi em sua direção, disposta ao flerte mais descarado e incisivo de toda uma vida.

Conversaram um pouco e, aparentemente, o rapaz adorou saber que tinha uma bela e contumaz admiradora. Luci o puxou para a pista de dança, ofereceu carona, beijou-o, ligou no dia seguinte, escolheu o restaurante, não desistiu de tentar uma infinidade de assuntos interessantes mesmo diante de silêncios eternos, topou rapidamente o convite para ir à casa do moço, tirou-lhe as calças. E eis que o repórter de guerra, o doido que se enfia em qualquer zona de conflito, o maluco corajoso que enfrentou o perigo do ebola e postou as polêmicas fotos pelado pelas ruas em Pyongyang, eis que o valente e aguerrido “esse é macho” ficou angustiado, ficou nervoso, pediu para chorar sozinho, talvez no chão do banheiro, em posição fetal, o pinto mole de conchinha com o saco murcho. Apequenado pelo pavor que sentia de uma mulher.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.