Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Nosso estranho amor

Renan, Matheus e três likes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Chico Felitti

Repórter ganhador dos prêmios Petrobrás e Comunique-se de jornalismo, é autor de “Ricardo & Vânia” e "A Casa - A História da Seita de João de Deus".

Victor Oliveira ficou famoso na internet quando transformou seu perfil de Instagram em um canal de TV. A cada dia, transmite um quadro diferente. E um dos seus maiores sucessos é o ViTinder, em que anuncia seguidores solteiros para a apreciação do seu público.

Em março de 2020, Renan Coutinho, 29, acabou sendo a estrela do quadro. Meio que sem querer. Uma amiga vivia tentando participar do ViTinder, sem nunca conseguir. “Eu mandei uma foto mais para tirar onda”, diz Renan. E, como a sorte privilegia os incautos, numa noite de terça ele estava com sua imagem e seus dados (então 28 anos, bissexual e morador de São Paulo) expostos para mais de 300 mil seguidores do perfil.

Matheus Valdo, um professor de educação física de 24 anos de Vila Velha, no Espírito Santo, tampouco seguia Victor. Caiu sem querer naquele perfil no exato mesmo dia, viu a foto do menino moreno e decidiu tentar a sorte. Curtiu três fotos e nada mais. Não adicionou, não mandou mensagem, não escreveu uma cantada barata em comentário.

Renan, enquanto isso, se via afogado em atenção de desconhecidos. “Recebi pra mais de 300 mensagens, em poucas horas. Tinha de tudo. As gays ficam muito nervosas. Os meninos são mais invasivos, as meninas são mais tranquilas.” As mensagens iam de platitudes como “Te vi no Victor” a investidas mais cobertas de coragem, como “E aí, tenho chance?”. E outras eram diretas e passavam a mensagem em três palavras, como “Rola uns beijos?”.

Quando o tsunami virtual bateu, Renan estava tomando vinho com os amigos com quem morava. Ficou atarantado com tanta atenção, e só respondeu a um rapaz, que compunha música como ele. Mas, antes de largar o telefone, viu as três curtidas de um menino moreno, de cabelo curto e sorriso brilhante. “Entrei no perfil dele, vi e fechei.”

Jogou o celular longe, para ver se com isso conseguia afastar também a gastura de tanta novidade. Mas alguma coisa não o deixou em paz. “Aqueles três likes dele ficaram me incomodando.” Quando resgatou o aparelho, depois de alguns minutos, não conseguia mais ver as curtidas do tal Matheus desconhecido. Elas tinham sido soterradas por comentários e corações de pessoas que nunca mais. “Eu lembro da sensação de eu nunca mais vou ver esse menino.” Quase no fim da sua tela, estavam lá as três curtidas.

Não pensou duas vezes. Escreveu para o desconhecido, de nome Matheus: “Se pá deu Match”. A Caça virou o caçador “Se pá deu sim”, respondeu Matheus, e riu —não lembra se foi hahaha, kkk ou rsrs, mas riu. A conversa fluiu. Até bem demais. “Tô achando estranho que tem muita coisa batendo”, pensou Renan. Chegou a desconfiar que o outro fosse um fake, mas resolveu a cisma com uma chamada de vídeo.

Um mês depois, Matheus pediu Renan em namoro. Sem nunca terem se visto. Ouviu como resposta: “Cê tá falando sério ou tá de palhaçada?”. E depois veio um sim. Não era só o pé de Renan que estava atrás. Os dois duvidavam que fosse possível se apaixonar virtualmente, “Eu não acreditava, via essa povo se embrenhando na internet”, diz Renan. Matheus define como pagou a língua: “Quando você não tá na situação, você julga, como é que vai amar sem nunca ter visto? Quando você está na situação, é muito real. Muito real mesmo”.

Mas o match era a valer. De março até setembro, se falavam por no mínimo quatro horas diárias. Viam filme juntos. “A gente dava o play no mesmo momento e, se alguém queria mijar, tinha um esquema de gritar ‘três, dois, um e dar stop”, conta Renan.

Quase seis meses depois, marcaram o encontro. Iam passar um fim de semana na casa de praia da família de Renan, na região dos lagos cariocas. Renan contou para a mãe. Ela reagiu com um misto de doçura e de cinismo. Disse: “Esse homem não é casado, não? Esses homens virtuais....”. Mas Matheus era real. Só não apareceu. Um dia antes, avisou que estava sem dinheiro para fazer a viagem. E os dois terminaram antes de se encontrar. “Eu fui bem cuzão. Mas estava sem grana. As academias fecharam todas, e eu não tinha coragem de falar”, diz Matheus. Daí teve que desenvolver coragem para passar dias pedindo desculpas. E eles voltaram.

Em setembro, Matheus vendeu sua moto e conseguiu bancar a viagem. Pegou dois ônibus e encontrou Renan, pela primeira vez, em carne e osso. Mas não puderam se certificar de que existiam no mundo real até chegarem em casa e tomarem um banho —tamanho era o medo do coronavírus. E, então, veio o primeiro beijo. Que abriu uma série de primeiras vezes. Era a primeira vez, inclusive, que ambos se relacionavam com outro homem.

Duas semanas depois, foram para a Praia da Costa, em Vila Velha. Passaram um período dividindo uma casa em Vitória. Em 2021, os dois se mudaram para o Espírito Santo, onde constituíram uma família —além de Matheus e Renan, o apartamento também comporta o gato Alaska e o cão Caju.

Em abril, os dois voltaram ao perfil de Victor Oliveira. O influencer publicou uma foto dos dois, comemorando um ano de união. E, de novo, a caixa de entrada de Renan foi inundada. Só que, um ano depois, as mensagens tinham mudado de teor. Eram coisas como “Parabéns, quero muito achar alguém, como você achou.”

Victor Oliveira, o casamenteiro virtual, celebra o septuagésimo quarto casal satisfeito com seus préstimos. E pede só uma coisa em troca. “Espero que cumpram o que sempre prometem, e me convidem para o casamento.”

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.