Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Descrição de chapéu Tóquio 2020

Claudio & Ana: um tiro olímpico

O cupido estava com o arco descalibrado na plateia das Olimpíadas do Rio de 2016

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São Paulo

O começo da tarde de 8 de agosto de 2016 parecia propício para tiros incertos acharem o centro do alvo. Felipe Wu, atleta da seleção nacional de tiro, estava inspirado. Sem muito alarde, começou a se sair bem em uma das primeiras competições das Olimpíadas do Rio, o tiro com pistola de ar a 10 metros de distância.

Restava um único disparo para Felipe. Ele respirou fundo. A plateia sumiu sob um lençol de silêncio. A arma fez um estampido e, em uma fração de segundo, os telões mostraram o resultado: o tiro furou o alvo praticamente no centro, o que rendeu uma pontuação quase perfeita, de 10.1. Com o tiro certo, Felipe conquistou a medalha de prata. O primeiro pódio brasileiro nas Olimpíadas realizada no Brasil. Fazia 96 anos que um atirador brasileiro não saía premiado da modalidade.

Mas o cupido estava com o arco descalibrado na plateia. O olhar do empresário Claudio Dias, um careca de quase dois metros, falhava em acertar o seu alvo, uma loira de cabelo preso em um rabo de cavalo. "Eu nem vi que ele estava olhando, gente, tinha coisa melhor para prestar atenção. Eram as Olimpíadas", diz ela, que se chama Ana Quirino.

Alvo usado por atleta olímpico em treino - Eduardo Knapp - 14.jan.2016/Folhapress

Claudio tentou chamar a atenção da desconhecida que estava a quatro cabeças de distância. Em vão. Quando acabou a prova, a multidão saiu em procissão, e ele a perdeu de vista. Como o mundo do tiro esportivo é o que ele chama de "uma cápsula", saiu perguntando quem era a loira de rosas tatuadas no pescoço.

Encontrou-a no Facebook, semanas depois, com a ajuda de um amigo. E, pelas fotos, percebeu que tinham muito em comum. Ana publicava fotos de boné e óculos escuros, com o braço ereto terminando em uma pistola. Ele já atirava há 20 dos seus 55 anos de vida.

Curtiu cada uma das fotos. Mandou mensagem se apresentando, dizendo que a tinha visto nas Olimpíadas. E recebeu como resposta o silêncio. Passaram-se meses, 2016 deu lugar a 2017 e Claudio já havia se mudado para Miami quando viu uma foto da mesma mulher. Atirando. Em vez de mandar um coração, fez um comentário criticando sua técnica. "O antebraço está desalinhado. Ficaria mais fácil se o polegar da sua mão fraca estivesse apontado para cima."

O comentário, para ele, era o fim da versão adocicada de si mesmo que criou para flertar. Mas, para ela, foi a porta de entrada para uma conversa real. "Eu não tenho saco pra homem meloso", ela diz. Ana deu o próximo passo. Mandou uma mensagem. "Valeu, vou prestar mais atenção na próxima vez."

Ele, então, deu um último tiro, com uma frase que hoje lhe causa vergonha: "Eu vou estar junto da próxima vez. E vou ajeitar sua postura." Ela respondeu com um "kkk", que evoluiu para um "ok", quando ele propôs que fossem a um clube de tiro em Atibaia, no interior de São Paulo, quando ele estivesse de férias no Brasil. Os dois foram, "Foi o primeiro date 'menos pior' que já tive na vida. Eu odeio primeiro date", diz Ana.

Só atiraram, depois tomaram cerveja em um bar e acabaram dormindo em uma pousada por ali mesmo.
O namoro, diz ela, foi o relacionamento com menos sobressaltos que teve na vida. "Eu gosto de calma, sabe? Não sou do drama." No primeiro ano em que estavam juntos, conheceu a filha de Claudio. Jogou bola com ela. Viveram três anos em uma ponte aérea internacional. "A gente se achou, é uma história que não rende uma crônica", diz Ana.

Ana e Claudio iam se casar nos Estados Unidos em 24 de julho de 2020, uma sexta-feira e dia para o qual estava marcada a abertura dos Jogos Olímpicos de Tóquio, antes de eles serem adiados por um ano, por conta do coronavírus. Ana jura que as datas calharam de caírem juntas. O futuro marido discorda aos risos: "Mas é claro que não! Ela é romântica. Mas não vai admitir nem à mão armada."

O casal queria ver Felipe Wu competindo na Olimpíada 2021, mas Claudio não aguentou esperar até as duas da manhã e acabou desacordado no sofá. "Ainda bem, porque ele foi eliminado já na primeira noite", diz ela. Wu foi o 32º colocado entre os 36 atiradores que disputaram as qualificatórias. Claudio acordou quando o sol já estava se levantando, foi para a cama, abraçou a mulher e perguntou: "Ele ganhou?". Ela não se lembra, mas ele jura que a resposta meio sonâmbula de Ana foi: "O nosso tiro foi mais certo", quase como na música de Zezé di Camargo & Luciano.

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