Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor

Eu vos declaro marido e drag queen

A história de amor de Tchaka e chef Carlito dava uma live

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São Paulo

Na teoria, Valder Bastos sempre acreditou em todas as formas de amor. Na prática, era um "rapaz tímido que namorava uma garota, achava que ia casar, ter filhos e seguir com uma vida de mentiras". Como os pais sonhavam com um filho promotor, formou-se advogado em Mogi das Cruzes. "Peguei diploma, entreguei pra ‘mamis’ e disse: "Agora me deixa que eu vou me jogar nas artes".

Tchaka, hoje uma das drag queens mais famosas de São Paulo, nasceu como resolução de fim de ano. Formado na escola de teatro Macunaíma, Valder distribuía flyers na porta da Nostromondo. Aberto em 1971, o castelinho na rua da Consolação era conhecido como a noite LGBTQI+ mais antiga da América do Sul. Foi lá que confundiram Adriane Galisteu, em início da carreira, com uma drag até bem convincente.

Para se destacar naquele fuzuê de glitter, o panfleteiro Valder precisava de mais. Bem mais. Os amigos o convenceram a se montar, isso no Réveillon de 2000 para 2001.

Valder Bastos, na pele da drag queen Tchaka, 51, e seu marido, Carlito Alberto da Silva, 43, no apartamento do casal, na rua Augusta - Eduardo Knapp/Folhapress

Acharam tecidos esvoaçantes na rua 25 de Março, jogaram pó na barba cerrada do artista em construção, ainda sem o tratamento a laser contra os pelos indesejados, e usaram pasta de dente (que acabou derretendo) para maquiar as pálpebras da recém-nascida rainha da noite. "Fiquei horrível."

Horrível e com a macaca: ganhou o apelido de Tchaka, "como o macaquinho muito feio" da série de TV "O Elo Perdido" (1974-76).

A Nostromondo fechou em 2014. Catorze anos antes, mais precisamente no 29 de junho de 2000, Valder viu "um moleque engomadinho, com topetinho", que chegou a estudar para ser padre, na pista. "Quero engravidar deste homem", decidiu na lata.

Ele, que como funcionário da boate só tinha direito a uma Coca-Cola e olhe lá, botou banca de quem podia pagar a bebida que Carlos Alberto da Silva quisesse. Ele recusou. Valder não se deu por vencido: saiu correndo atrás do pretendente, que esperava o ônibus. "Ficamos no meio da Consolação, foi um furdunço."

E juntos estão até hoje, na alegria e na tristeza. Depois de passar "dois meses dentro do sofá", naquele sombrio começo de pandemia, a "Nossa Senhora Protetora das Festas" no Translendário 2014 resgatou o "tesão de viver".

Idealizou o Muita Tchaka Nessa Hora, projeto de lives que já contou com dois padres (Júlio Lancellotti e Miguel Romano) no rol de convidados. Carlos, o chef Carlito, também está lá: eles fazem a dois o quadro Sabores e Saberes, com receitas para uma vida mais gostosa em várias dimensões.

Hoje o casal mora na rua Augusta, rodeado de estatuetas de Tchaka, como o Troféu Arrasa 2015. Dois anos após conquistá-lo, veio o melhor dos prêmios. Valder, 51, e Carlos, 43, se casaram em 2017, "oficializados com tudo o que tem direito: cartório, chuva de arroz, cerimônia, aliança".

Valder rememora a chegada nada doce naquele pedaço do centro paulistano, "quando eram umas 40 casas prostituição por metro quadrado". Os leões de chácara o azucrinavam: "Vai jogar bola, João! Vira homem, viado!".

O viado que se veste de mulher e nunca deixou de ver como homem hoje tem moral. É dono da Agência de Animação Tchaka Eventos, que oferece "palestras motivacionais" e conta com uma trupe de go-go boys, "pequenos" (que chamava de anões até descobrir que isso os ofende) e outras drags "no estilo Tchaka de ser". "Agora os seguranças me veem e cumprimentam a ‘dona Tchaka’."

Contra o preconceito, prefere oferecer a cara com blush a tapa. Lembra de quando uma mulher contratou sua personagem para animar a festa de 30 anos do marido, num buffet infantil em Moema. "Camisa bege, sapato bege, calça bege, meia bege. O homem ‘nude’ nem olhou na minha cara."

Antes de partir, Tchaka disse à esposa: "Boa sorte. Só fiquei 10 minutos com ele, mas você vai passar a vida toda ao seu lado".

Passar a vida toda com Carlos, o marido, é um sonho ainda incompleto. Falta a filha que irão adotar. "Ela já nasceu, a gente só não encontrou ainda." Vai se chamar Maria Antônia e dará "uma ministra da Justiça bem louca", aposta. Justiça seja feita.

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