Ernesto e Fátima se conheceram na festa de fim de ano da firma. Ele não sabia quem era aquela mulher que pedia ao churrasqueiro que não torrasse tanto a carne. Ernesto foi até ela dizendo que ele também não gostava da carne torrada. Conversaram a tarde inteira e saíram juntos da confraternização. Dormiram na casa dela, um apartamento que Fatima dividia com Teresa, amiga de infância. Descobriram que tinham quase a mesma idade –35 anos–, que detestavam berinjela e compartilhavam do sonho de conhecer a África do Sul. No dia seguinte, Fatima contou a Teresa sobre Ernesto. "Quase 36 anos e nunca namorou por muito tempo?", perguntou Teresa. "Não é estranho, amiga?", concluiu. Talvez, respondeu Fatima. Mas ele parecia ser um cara tão bacana, por que se prender a esse detalhe? Só que Fatima se prendeu a esse detalhe.
Os dois começaram a sair e um dia ela resolveu perguntar por que ele nunca tinha namorado por muito tempo. A expressão dele, e o silêncio que se seguiu, fizeram Fatima estremecer. Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, ele disse "Por causa do Corinthians". Ela perguntou como assim e ele disse que nunca conheceu uma mulher que tivesse suportado a paixão dele pelo time. Não pode ser tão problemática essa paixão, ela disse. Ele respondeu que para ele não tinha nada de problemática, só que ninguém entendia a dedicação, não entendiam as viagens para ver o time jogar, não entendiam ele ver os jogos da base, do time feminino. Não entendiam ele perder casamentos, batizados e aniversários para torcer. Fatima respondeu que ela não se importaria, mas Ernesto sabia que ela não seria bem assim. Era só mais uma pessoa que, em pouco tempo, o chamaria de maluco, de doente, de infantil. Depois de onze meses, como ele previu, brigaram por ele dizer que não iria à festa de 90 anos da avó dela. Consegui uns dias de folga e vou para a Venezuela ver a estreia do Corinthians na Libertadores, ele disse. Ela emburrou, eles terminaram. Voltaram, mas romperam de novo em abril, quando ele foi ao Paraguai ver o Corinthians enfrentar o Nacional. O que esse time te dá em troca desse amor?, ela perguntava. Tudo, ele dizia. Essas pessoas nem sabem quem você é, ela argumentava. Ele abaixava a cabeça entendendo que ela jamais compreenderia a devoção.
Ernesto cresceu num orfanato e, quando tinha 13 anos, foi uma conquista do Corinthians que o manteve vivo: o Brasileiro de 1990. Solitário e atormentado por uma tristeza que era muito sua, andava pensando em desistir. Mas quando Tupazinho fez o gol que deu o primeiro título nacional ao time dele, alguma coisa em Ernesto renasceu. Havia uma miga de esperança. Ele poderia sonhar com viradas de jogo, com conquistas que pareciam impossíveis. Não estava, afinal, sozinho. Teria, para o resto da vida, em quem se amparar. Só que essa história ele nunca tinha conseguido contar a ninguém. Então, antes de ir para o Paraguai, deixou uma carta para Fatima explicando o que aconteceu com ele no orfanato em 1990. Disse que a amava, mas que jamais abandonaria o time. Terminaram, dessa vez de forma definitiva. No dia 16 de dezembro o Corinthians jogaria a final do mundial no Japão. Ernesto estava lá. Chegou cedo ao estádio e, nervoso, ocupou seu lugar. Num ritual muito particular, fechou os olhos e começou a rezar. Quando abriu os olhos, o estádio já estava bastante cheio. Ao seu lado direito, pai e filha berravam pelo Corinthians. Ao seu lado esquerdo, Fatima. Vim te buscar, ela disse. Mas, antes, vamos ver nosso time ganhar.
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