Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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O Timão e o Pumba da Sapucaí

Os dois só foram se beijar quando o desfile da segunda-feira chegava ao fim

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Douglas Soares ama o Carnaval desde criança. Felipe Herzog ama o Carnaval desde criança. Enquanto Douglas foi abduzido pelo samba porque ouvia a bateria da Imperatriz em toda virada de ano que passava na casa de uma tia, Felipe desenvolveu uma paixão solitária pelos desfiles. Para se ter uma ideia: quando fez 15 anos, em 2000, Felipe recebeu da família a chance de ir para a Disney de presente. "A gente é pobre, que ligação eu tenho com a Disney?", ele respondeu. "Eu quero é desfilar pra Mocidade." Como a mãe só tinha contato com a União da Ilha, ele teve de ir defender uma escola que não era a sua.

Por três décadas, cada um amou o samba sozinho. Até que veio o 15 de fevereiro de 2015. Douglas acabara de sair de um namoro, e repetia para si mesmo: "Agora eu vou aproveitar e ficar solteiro por um tempão". Felipe tinha saído de um namoro havia menos de seis meses. "Eu só pensava: ‘Vou piranhar no Carnaval’." No domingo de Carnaval de 2015, os dois acabaram na mesma arquibancada do Setor 3 da Marquês de Sapucaí. E foi um encontro e tanto. "Primeiro, eu vi a bunda do Douglas, e já me interessei ali", ri Felipe. Douglas, enquanto isso, botou reparo em outra banda do barbudo ao lado. "Ele estava com uma blusa azul de peixinhos, meio aberta. E eu já fiz um ‘mmm’, e fiquei interessado."

Imagem mostra Marquês de Sapucaí vista do alto
Marquês de Sapucaí, no Rio - Andre Coelho - 11.fev.21/AFP

Em meio à barulheira do Carnaval, Douglas tentava ouvir o papo do desconhecido, mas só conseguia pegar cacos de conversa. "Achei que tivesse ouvido ele falar de uma namorada." Entre uma escola e outra, Felipe aproveitou o intervalo para pegar cheeseburger do Bob’s, um dos únicos restaurantes da passarela do samba. E Douglas foi atrás. Enfim, trocaram uma ideia. Descobriram que um trabalhava com TV e o outro trabalhava com cinema. "Passamos a noite toda conversando, não rolou beijo", lembra Douglas.

Quando o dia raiava e os desfiles já tinham acabado, os dois andaram juntos da Sapucaí até o metrô da Central do Brasil, vendo no caminho as alegorias que desfilariam no dia seguinte. Na hora de se despedir, Felipe deu um beijo no canto da boca de Douglas. "Ele não deu a mínima. Pensei: ‘Perdi, playboy’", diz.

Felipe seguiu para a Barra da Tijuca e Douglas tocou para Copacabana, onde morava com a avó. Na mesma manhã, Douglas fez uma devassa no Facebook até achar um Felipe cujo sobrenome ele até então desconhecia. Mandou uma mensagem perguntando se os dois se veriam de novo na segunda de Carnaval. Não obteve resposta até meia-noite, quando já estava na Marquês de Sapucaí.

Os dois só foram se beijar de verdade quando o desfile da segunda-feira chegava ao fim, com a Unidos da Tijuca sambando no asfalto. "O enredo era sobre a Suíça, meio narrado pelo Clóvis Bornay, e estava muito chato", diz Douglas. E Felipe completa: "Bastou ter um desfile horroroso pra gente se beijar." Porque o Carnaval é coisa séria para os dois, que decoram os sambas com quatro meses de antecedência, antes mesmo da virada do ano. "É tão forte que é quase um rito religioso. Eu não vou na energia de flertar", diz Douglas. E Felipe concorda: "Existem várias tensões, tantas que a tensão sexual fica em oitavo, nono lugar".

Na mesma noite, os dois pegaram um ônibus e foram sacolejando para a casa do Felipe. "E não nos desgrudamos mais", diz Douglas. "Eu falo que é uma paixão de Timão e Pumba", brinca Felipe, que é esguio como o suricato de "O Rei Leão", enquanto Douglas é forte como o javali do desenho.

Como todo Carnaval, o de 2015 teve o seu fim. Mas os dois carnavalescos não deixaram de desfilar juntos. Felipe estava com uma viagem de férias marcada com a melhor amiga. E Douglas decidiu ir junto com sua paixão de Carnaval. "Eu não sei qual foi a maluquice que me deu. Eu tinha ficado só com o cara e decidi ir pra Cuba com ele." Começaram a namorar durante a viagem. E lá se vão sete Carnavais.

No meio desse desfile, adotaram uma pug preta, de nome Isis Cuíca, que respira com um ronco que lembra o instrumento musical e que dança quando seus pais cantam sambas enredo. Na primeira semana de fevereiro de 2022, Felipe está com Covid, isolado de Douglas. Os desfiles foram adiados. Se o calendário da Liga Independente das Escolas de Samba se confirmar, já é certo onde encontrar o Timão e o Pumba da Sapucaí em abril: na arquibancada da Marquês de Sapucaí. "O Setor 3, para quem ama Carnaval, é o melhor lugar do mundo. É de onde se vê a bateria esquentando, os carros dobrando e quebrando ou não. É o coração do Carnaval", explicam os dois, juntos como num desfile de Carnaval que ganharia nota 10 na categoria harmonia.

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