Nosso estranho amor

Paixões, desencontros, estabilidade e loucuras segundo Anna Virginia Balloussier, Pedro Mairal, Milly Lacombe e Chico Felitti. Uma pausa nas notícias pra gente lembrar tudo aquilo que também interessa demais.

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Nosso estranho amor
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Susana, Paz e amor, meio século depois

Se para o resto do mundo Márvio parecia medir as palavras, para Susana ele as estendia como se fosse um tapete

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São Paulo

Quando eram adolescentes, em Jacareí, Susana Lima e Márvio Medinas prometeram que nunca iam se separar. "Mas a palavra do jovem tem peso de pena", diz ele, quase setenta anos depois. O namorico dos dois começou na rua onde os dois moravam e durou quase três anos, até ele decidir se mudar para São Paulo e estudar para entrar na faculdade de engenharia.

"Se fosse hoje em dia, acho que eu teria ido junto, ou a gente conseguiria ter mantido o contato", diz ela. "Mas naquela época era muito diferente. Parecia que tinha um mar entre o interior e a capital."

Os dois choraram a separação até que ela virou águas passadas. Susana se formou em enfermagem na cidade, enquanto Márvio conseguiu entrar na Escola Politécnica da USP. Ele foi trabalhar com construção civil. Ela entrou na Santa Casa de Jacareí e dedicou décadas a cuidar de doentes. Os dois se casaram com um ano e meio de diferença. Cada um teve duas filhas. Para ele, as filhas deram três netas. Ela ainda não viveu a experiência de ser avó.

Mãos de um casal de idosos
Sabine van Erp por Pixabay

O tempo passou. Ela ficou viúva no começo dos anos 2000. Ele virou divorciado no meio dos anos 1990. Até que, em 2019, os dois se reencontraram no restaurante Rancho Mineiro, no coração de Jacareí, onde Márvio estava de visita à família. Mas não se reconheceram. Foi uma das filhas de Susana que acenou para uma das filhas de Márvio.

"Elas eram amiguinhas de faculdade, tinham estudado quase juntas no Mackenzie, e também não se viam há uma paulada de tempo", diz ele. Até que ligaram os pontos. A mulher de cabelos brancos e curtos era a menina para quem ele tinha dado tchau décadas atrás. O homem gorducho e sisudo era o moleque que tinha beijado sua mão e dito que um dia voltaria. Os dois tinham tanto para falar. Mas acabaram não falando quase nada. "Eu travei. Eu travei por medo que ele não se lembrasse de mim, ou que tivesse sido muito mais importante para mim do que para ele", diz Susana.

Dias depois do encontro no almoço, em que eles só trocaram sorrisos amarelos e frases estabanadas, o telefone dela tocou. E era ele do outro lado da linha. O homem, geralmente de poucas palavras, tinha pedido o telefone da amiga antiga para a filha, que o descolou com a ex-colega de faculdade.

"Daí ele me ligou. E a gente começou a se falar por telefone. Uma, duas, três horas por dia… Será que alguém ainda usa telefone?", se pergunta ela, enquanto ri. Se para o resto do mundo Márvio parecia medir as palavras, para Susana ele as estendia como se fosse um tapete. Passaram um ano e pouco só na troca de vozes.

Quando a pandemia ameaçava chegar ao Brasil, ele fez um convite ousado. O convite que não pôde fazer meio século atrás. Do telefone fixo pularam para um lar fixo que dividem em Alto de Pinheiros. "Quando a gente se reencontrou, os dois não tinham mais tempo a perder", diz ela. "Mas não é uma coisa desesperada, é como se a gente tivesse todo o tempo do mundo, ainda", completa ele.

Beirando os oitenta anos, os dois dizem estar bem "só juntados", por mais que ela preencha que é casada quando vai fazer check-in em um hotel. "No meu coração, a gente é casado. E Deus me vê inteira, inclusive aqui dentro, então eu digo que somos casados, e não estou mentindo", ela explica.

Não há um dia em que não sejam visitados, pelas filhas dela ou pelas filhas e netas dele. "É a casa mais cheia e a mais vazia do mundo", ela ri. "Só depende do horário em que você vier. Mas eu gosto dos dois jeitos. Gosto de ter gente aqui, mas adoro ficar sozinha com Paz." Assim, Paz, com letra maiúscula.

É que, nos quase cinco anos em que eles estão reunidos, ele ganhou um apelido: Paz. "O que eu sinto é a coisa mais importante do mundo. Tem gente que chama de amor. Eu chamo é de paz. Então, ele virou Minha Paz e, depois, só Paz mesmo. Eu às vezes esqueço até que ele chama Márvio", diz Susana, em uma entrevista feita de um telefone fixo. E Paz faz um "arram" de quem concorda, sentado ao lado dela.

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