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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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O MEC precisa de uma injeção de óbvio

A educação não pode virar o terreno preferencial de batalhas imaginárias

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Peço desculpas de antemão, mas preciso dar uma notícia bem ruim logo nas primeiras linhas deste texto. Não me leve a mal, por favor, e evite palavrões nos comentários. Mas a verdade é simples e cristalina: você sabe muito pouco sobre educação. Explico.

Há uma tendência comum entre pessoas escolarizadas, nascida de uma confusão entre tempo e especialização. Muita gente boa, bem intencionada, extremamente bem formada, se considera capaz de ter opiniões sobre qualquer coisa relacionada à vida escolar mesmo com zero noção de didática. Motivo? Muitos e muitos anos passados nos bancos escolares. A experiência seria suficiente para balizar as recomendações.

Provavelmente, a essa altura, você já está muito ofendido. Não era minha intenção. Mas veja bem… Você levaria a sério as recomendações médicas de um engenheiro hipocondríaco? Acharia razoável dar o mesmo peso tanto às opiniões de um médico quanto aos achismos de um jornalista especializado em frequentar hospitais quando a cabeça dói? Exceto se você padecer de confiança aguda, a resposta provavelmente será um sonoro não.

Pois bem, em educação é assim que a banda toca em muitos momentos. Aliás, mais do que seria recomendável –dos pais que intimidam professores diante da nota dos filhos a farmacêuticos nomeadas para cargos públicos responsáveis por currículo e avaliação. 

De tempos em tempos, alguém aparece com uma solução milagrosa para a educação brasileira tirada sabe-se lá da onde. O problema de dar poder para algumas pessoas é que elas, eventualmente, vão ter ideias. E nada é mais perigoso do que uma ideia estapafúrdia defendida com convicção e apoiada por uma caneta capaz de liberar verbas e contratar pessoas.

O resultado é que perdemos muito tempo debatendo bobagens. Isso não é novo nem é exclusividade desse governo. No passado, por exemplo, gastamos tempo demais discutindo a validade do componente fônico na alfabetização. Muita gente boa, bem intencionada, torcia o rosto porque via alienação em associar palavras e sons, supostamente sem contexto social. Pois bem, enquanto isso, milhares de crianças e adolescentes ficaram alienadas das maravilhas da leitura e da escrita. Há horas em que a convicção precisa ceder espaço à realidade.

E é neste ponto que quero chegar. Há um certo consenso, da centro-esquerda à centro-direita, do que precisa ser feito para melhorar a qualidade da educação pública no Brasil. Esse consenso não é tão emocionante quanto receber uma chuvas de likes nas redes sociais, mas, bem, há outras formas de conseguir emoção nessa vida.

Esse consenso passa por currículos bem estruturados, baseados na BNCC (Base Nacional Comum Curricular). Sempre bom lembrar, a base não é currículo –ela é o fundamento sobre o qual eles vão ser construídos.

Com currículos prontos, discutidos com professores, diretores de escola, técnicos das secretarias e, vamos torcer muito, com pais e alunos, o próximo passo é falar de conteúdo. Afinal, um currículo diz quando a revolução francesa precisa ser ensinada, mas não como ela será ensinada. Vai falar dos reis? Do povo? Será uma história linear ou vamos conectar com acontecimentos recentes? Tem um mundo a explorar aí.

Por fim, há o método. O debate quente hoje é sobre alfabetização, mas ele não se esgota na língua portuguesa. Há várias formas de ensinar história, matemática, ciência, geografia… A pesquisa pedagógica avançou muito nos últimos anos.

Paralelo a esse movimento, que acontece dentro das escolas e secretarias, outro precisa se formar nas universidades. É a formação inicial do professor, ainda anos distante do que os educadores precisam para encarar os desafios das salas de aula. E, das universidades, esse movimento precisa transbordar e chegar de novo às escolas, onde os professores precisam continuar estudando. Afinal, os alunos mudam mais rápido do que os livros.

Se fizermos tudo isso, ainda não será suficiente para elevar o ensino do Brasil ao nível que nossas crianças e adolescentes merecem. É preciso garantir recursos públicos, nesses tempos de escassez, para que essas medidas sejam bem executadas, com foco na qualidade da educação.

O Brasil elevou substancialmente seus investimentos na área. Era possível ter resultados melhores? Sim, era. Ao mesmo tempo, pense comigo. Você não resolve em 30 anos uma dívida de 200 –educação só virou direito universal dos brasileiros e dever do Estado a partir da Constituição de 1988. Estamos pagando uma conta, via impostos, que o país não cobrou de nossos pais e avós.

Pois bem, contei tudo isso e tenho a sensação de que falei muito pouco. Quando você conhece esse fascinante mundo de perto, cada frase se desdobra em outros assuntos, num jardim de caminhos que se bifurcam. Há muito conhecimento acumulado sobre educação pública e, pela primeira vez em décadas, uma quantidade enorme de gente qualificada, país afora, disposta a trabalhar na área por convicção. Não é terra de ninguém nem território de simplismos.

Eu disse, lá no começo, que ia te ofender –mesmo sem ter essa intenção. Agora, te faço um convite. Se você também acredita que educação é fundamental para o futuro do país, vá estudar, vá fundo, fuja das ideias feitas, dos clichês. Ajude a transformar essa agenda de consenso em políticas públicas reais.

E, nesse caminho, por favor, me ajude a mostrar ao Ministério da Educação a importância do óbvio. Já tem muito trabalho a fazer diante de problemas reais e bem mapeados. Imagine a quantidade de energia que vamos desperdiçar se, além dos desafios concretos, resolvermos encarar inimigos oriundos das vozes da nossa cabeça…. A educação não pode virar o terreno preferencial de batalhas imaginárias. É feio, é indigno.

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