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Leandro Beguoci é diretor editorial de Nova Escola (novaescola.org.br). Ele explica sobre o que funciona (e o que não funciona) na educação brasileira.

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MEC não pode ser privatizado para Olavo de Carvalho

Abraham Weintraub precisa decidir se é protagonista ou CEO de uma empreitada do guru do governo Bolsonaro

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Quando comecei a escrever este texto, estava escutando uma música chamada “Anthem”, do cantor e compositor Leonard Cohen. Ele é um dos meus heróis na vida. Sem exagero, eu poderia escrever umas 500 páginas sobre as músicas dele. Enfim. Um dessas obras-primas é “Anthem”, a música que flui pelo meu fone de ouvido neste momento. Olha que beleza de refrão: “Há uma rachadura, uma rachadura em tudo/É por ali que a luz entra”. Se você está na escuta, ministro Abraham Weintraub, do MEC, recomendo. Primeiro, ela dá ritmo para o trabalho realizado depois das 22h. Segundo, ela é um belo alerta para a sua gestão recém-iniciada.

O governo de Jair Bolsonaro é profundamente ideológico —e isso não é juízo de valor, é apenas constatação. Quando o presidente coloca a bola no campo de uma ala específica da direita, ele dá coesão à sua base e apresenta certa previsibilidade. De fato, ninguém pode alegar surpresas com a família —só quem não estava prestando atenção. Porém, toda ideologia apresenta rachaduras. É por meio delas, como diria o Leonard Cohen, que a luz entra. Essa é a luz da realidade.

Toda vez que o MEC dobra a aposta num programa ideológico de direita, com influência de Olavo de Carvalho, ele cai numa armadilha imposta pelo próprio ministério. Quando me dei conta deste método suicida de gestão, me lembrei dos meninos que, na minha infância, montavam arapucas na floresta e depois caiam nas próprias armações. Nos últimos dias, a luz da realidade tem rachado as declarações ideológicas de Weintraub ao meio.

Foi assim na pensata sobre as ciências humanas, desmentida pela lei, pela lógica e pelos dados de matrícula. Foi assim na justificativa para cortar o financiamento de algumas das melhores universidades federais do Brasil. E só poderia ser assim quando Weintraub apoiou a filmagem de professores em sala de aula e, mais tarde, se deu conta que gravar educadores é ilegal em vários Estados pelo país (além de ser um horror pedagógico).

A grande questão do olavismo educacional, que luta para virar programa oficial no MEC, é a realidade. Ele só pode prosperar numa dimensão paralela de complôs e inimigos imaginários. Se isso virar programa educacional, estaremos privatizando o MEC para Olavo de Carvalho —e Weintraub será apenas o CEO da empreitada imaginada pelo escritor. Isso pode poupar ofensas em redes sociais e render elogios caudalosos da família Bolsonaro, mas deixará o ministro marcado como alguém que transformou em realidade um programa baseado em puro ressentimento. Até uma medida positiva, como o fomento ao componente fônico na alfabetização, vem revestido de revanche —o que só prejudica a adesão dele país afora. 

Hoje, não existe uma agenda conservadora clara para a educação. Revisitei o programa do então presidenciável para a educação pública e, na prática, não tem nada concreto ali capaz de transformar o país. É só uma agenda de destruição de símbolos, com Paulo Freire em destaque. E, por mais que seja bonito dizer para a base de apoio que é preciso destruir antes de construir, o país não pode esperar o governo se vingar de todos os seus inimigos. O Brasil é um país, não uma clínica de psicanálise dedicada a curar Olavo e a família Bolsonaro.

Weintraub assumiu com o discurso de que faria tudo dentro da lei e não perseguiria ninguém. Dados os tempos estranhos em que vivemos, as frases dele soaram como alívio num governo de discurso bélico, afeito a escolher adversários num ritmo frenético. Para o bem do país e de Weintraub, ele precisa, urgentemente, deixar a maior quantidade possível de luz entrar pelas rachaduras ideológicas do olavismo. O país não pode ser refém dos inimigos de Olavo de Carvalho e dos seus seguidores.

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