Formou-se em direito pela PUC-SP, é doutor pela USP e pós-doutor pela Universidade de Oxford.
Escreve aos sábados,
a cada duas semanas.
'Sem medo'
O Brasil produz o segundo maior número absoluto de homicídios de jovens (entre 0 e 19 anos) em todo o mundo. Perde apenas para a Nigéria. Em termos percentuais ficamos atrás de El Salvador, Venezuela e Guatemala, conforme o relatório "Escondido em Plena Vista: uma Análise Estatística da Violência contra a Criança", publicado pela Unicef neste ano.
Para entender os números brasileiros mais de perto, vale verificar o Mapa da Violência de 2014, que, ao ampliar o conceito de juventude até os 29 anos, aponta que, dos 56.337 homicídios dolosos ocorridos no Brasil, mais de 53% abateram jovens, dos quais 77% eram negros e 93% do sexo masculino.
Sabemos hoje que as taxas de homicídios estão fortemente correlacionadas à desigualdade. Daí a América Latina, continente mais desigual do mundo, ser onde mais se mata intencionalmente. Aparentemente a desigualdade profunda e persistente provoca uma forte erosão nos laços de reciprocidade. O respeito mútuo sucumbe. Largas parcelas da população se tornam invisíveis. Sua dor e sofrimento, irrelevantes.
Some-se a isso o fortíssimo impacto causado pelo tráfico de drogas, conflito de gangues ou facções, disponibilidade de armas de fogo e uma crescente promiscuidade entre o Estado e o crime organizado, o que afasta a polícia e o sistema de Justiça de sua missão primária de proteger os direitos dos cidadãos.
A execução de 43 estudantes pelo tráfico, em associação com políticos locais, em Cocula, México, é uma síntese dessa espiral macabra de banalização da vida, especialmente a vida dos jovens, em que boa parte do continente está embrenhada. Os fortes protestos em várias cidades daquele país emitem um claro sinal ao Estado de que as agências e políticas de segurança precisam ser completamente reformuladas.
Mas não é só aqui que os jovens se encontram vulneráveis. Também não são apenas os homicídios que afetam brutalmente suas trajetórias. A violência sexual é sistêmica: 1 em cada 4 meninas, entre 15 e 19 anos, sofreu alguma forma de violência sexual; e 1 em cada 10 foi vítima de estupro. Na Índia, onde os dados são alarmantes, casos de estupros coletivos, como o da estudante "Nirbahaya", nome processual fictício que significa "sem medo", também vem gerando forte pressão por mudança.
A violência contra crianças e jovens é uma espécie de catástrofe moral, pois deixa claro que nós, adultos, não temos sido capazes de cumprir nossas obrigações mais elementares em relação a eles. É também uma catástrofe social, pois jovens expostos a esse tipo de violência ao longo da vida dificilmente entenderão a obrigação de respeitar os demais. Por fim, é um desastre econômico. Relatório da Child Fund Aliance estima que a perda anual com a violência contra os jovens pode chegar a US$ 7 trilhões ao ano.
É urgente que Brasil e muitos outros países façam um enorme esforço de prevenção da violência em relação aos seus jovens, caso não queiram comprometer o futuro das próximas gerações. Não há mais como nos esquivarmos desse imperativo.
Como salientou Marta Santos-Pais, representante especial da ONU sobre violência contra a criança, no lançamento da iniciativa global Know Violence in Childhood, nesta semana, em Nova Déli, o que as crianças ao redor do mundo mais pedem é uma vida "sem medo".
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